sábado, 27 de junho de 2009

Juntando histórias


Hoje foi dia de duas apresentações: do exercício dos meninos criado a partir dos encontros com Lima, e do espetáculo “O Circo de um Homem Só”, de Lima, ou do palhaço Amori, ou quem sabe, se um dia ele decidir mudar mesmo, do Tiziu.

Antes de começar a relatar como as coisas se encaminharam, como tenho feito ultimamente, quero falar um pouco sobre como tem sido pra mim fazer os relatos do processo de montagem dos clowns.

Quando Fernando perguntou se eu gostaria de fazer esses relatórios, fiquei em dúvida pelo fato de que escrever não era uma prática recorrente do meu dia-a-dia. E confesso que ainda não encontrei a melhor forma de relatar os acontecimentos do grupo, e que espero logo conseguir, pois assim, como os meninos estão curtindo o processo, eu também estou curtindo acompanhar o andamento das coisas, e acredito que será uma experiência muito enriquecedora para mim enquanto atriz, por poder observar como se dá o processo de criação dos atores e, enquanto relatora, por estar colocando em prática o ato de escrever e pensar sobre teatro. Além disso, agrega-se o fato de eu poder unir o útil ao agradável, pois farei minha monografia de especialização em cima do processo do grupo, e também estou perto de alguém que amo muito.

Portanto, sem mais delongas, quero agradecer ao grupo, e dizer que tem sido importante para mim estar próxima de pessoas que pensam teatro, que vivem teatro, e que amam teatro.

Agora, após esse parênteses, volto aos acontecimentos de hoje.

Os atores chegaram no barracão, fizeram os preparativos para apresentação, arrumaram o espaço e afinaram a luz. Depois, fizeram um alongamento, orientado por Lima, e em seguida um aquecimento, onde aprenderam passos da capoeira.

Daqui a pouco falo sobre o aquecimento, agora quero falar da pessoa Lima. Pense num carinha generoso e querido! Podem dizer que eu estou puxando o saco, mas a verdade, é que gostei muito de acompanhar o encontro de Lima com os Clowns e, porque não, comigo também. Primeiro, porque ele é um bom contador de histórias, que estava sempre procurando passar conhecimento para os meninos, de forma muito tranquila e de sorriso no rosto. Segundo, porque acho que ele teve um procedimento de trabalho muito legal durante essa semana, e olha que ele disse que não sabia sistematizar seus conhecimentos, vai ver que esse foi o barato.

Pronto, voltemos a capoeira. Lima explicou como fazer o gingado da capoeira, a meia-lua, a meia-lua de compasso, e a negativa, que é um esquivo do golpe. Depois de aprenderem no passo a passo, em dupla, eles treinaram o gingado, o golpe e o esquivo, e quem entrou para gingar também, foi o fotógrafo Cuca, que já tinha feito capoeira há algum tempo.

Aquecidos pela capoeira, os meninos formaram uma roda, e cantaram as músicas do exercício “Juntando histórias”, nome denominado por Lima. Marco foi orientando, e fazendo alguns ajustes. Além disso, fizeram um ensaio de todo o exercício.

Ao término, os meninos foram para trás das cortinas, esperando o início da apresentação. O público ia entrando aos poucos, e os atores também. Enquanto estava apenas Marco em cena, entrou uma senhora bêbada, pedindo para assistir o que iria acontecer ali, depois de sentada, ela falou algumas vezes “eu tô com fome”, e depois saiu do barracão.

Marco, que já estava no palco, como o seu personagem-escritor, aproveitou para postar no blog enquanto o público ia entrando, relatou sobre essa senhora, dentre outras sensações que lhe passavam pela cabeça, de forma muito natural e presente.

Depois de todos os atores entrarem, Lima anunciou o inicio do exercício 80.423, ou melhor 80.424, uma brincadeira dos meninos, como o Fernando já comentou no post anterior.


A apresentação do exercício denominado por Lima de “Juntando Histórias” foi boa. A história é mais ou menos o seguinte: quatro atores da trupe assumem seus personagens para contar uma história. Marco é um escritor que está lembrando de algumas entrevistas que fez com uma lavadeira, um pescador e uma dona de casa e, por fim, termina de escrever o seu livro, O Capitão e a Sereia.

Depois da apresentação, foi Lima que entrou em cena, com seu espetáculo, “Circo de um Homem Só”, que divertiu bastante a todos. E quando terminou, deu-se inicio ao debate. E Fernando e Marco situaram um pouco o público sobre o que vem acontecendo no barracão.
Lima também falou um pouco sobre o seu trabalho, e que não havia sistematizado nada específico para ser trabalhado com os atores nessa semana. Porém, à medida que ele ia vendo algumas necessidades, ia propondo exercícios, e que utilizou de alguns princípios que costuma trabalhar, como o clown e Laban.

A Gisele, dos Contemplados, perguntou porque Camille lavou a mesma roupa várias vezes, e disse que isso tinha incomodado. Então, Lima falou que a apresentação foi de um exercício que não estava acabado, e se isso fosse virar um espetáculo, aí eles teriam dedicado mais tempo a alguns detalhes, a todos os símbolos, etc. A partir disso, César falou de como é interessante essa observação, para se entender como tudo é signo no palco, e que tudo tem significado.

Henrique, do Beira/Atores à Deriva, perguntou se era objetivo dessa montagem ser fiel ao texto, falar através da narrativa. Então César falou que a palavra não iria ser suprimida, mas que nesse exercício específico ela vinha como um elemento condutor. Fernando também comentou sobre a utilização da palavra pelo grupo, que ela sempre esteve presente como organizadora, mas que não havia sido tão cuidada como o grupo gostaria que fosse, e que neste processo a relação contação/narração será explorada. Marco falou que seu primeiro contato com o livro foi através da imagem, e que agora eles estão mergulhando no texto.

Surgiu uma pergunta para Lima, sobre a relação do palhaço, teatro, circo, como ele via essas relações. Ele então comentou que, para ele, não importa onde o palhaço se apresenta, de onde vem sua formação, se é do circo, da faculdade, do teatro, mas sim o que ele quer comunicar, o que quer mostrar como resultado estético.

Alex fez duas perguntas: como foi para Lima encontrar com os Clowns, trabalhar com eles essa semana, e qual a relação do trabalho de Lima e do Márcio. Lima falou da boa relação que teve com o grupo, e de como ele chegou com medo de que os meninos tivessem grande expectativa sobre ele. Comentou como era bom trabalhar com gente talentosa (talento para ele é muita ralação, suor), e que aprendeu muito com essa experiência.

Os meninos (atores) falaram da tranquilidade e generosidade com que Lima trabalhou, e o quanto eles estavam receptivos e abertos para esses encontros. César comentou sobre algo que o inquietava. ... E Fernando falou de como os dois diretores trabalharam de maneiras diferentes, o Márcio trabalhou muito a discussão da cena, e Lima já trouxe um trabalho mais corporal.

Mariana Guimarães perguntou para Fernando qual era o papel dele como diretor nesse processo que tem sido tão aberto, que tem tido encontro com outros diretores. Ele respondeu que não existem regras, e que aos poucos vai observando e conectando com o trabalho. Disse também que o grupo sempre trabalhou com o levantamento de material, a única coisa nova para o grupo será a dramaturgia, e que ele tem levado com tranquilidade, embora saiba que é um desafio não perder o fio da meada.

Depois, a partir de uma provocação do Marcos Martins, o debate foi pro rumo da “ilusão”. O grupo explicou que sua relação com a ilusão é trabalhar ela teatralmente, de forma assumida, sem pretensões de iludir a platéia.

Ainda teve uma última pergunta sobre a construção musical da cena. Marco comentou da importância da contribuição dos atores nessa construção e da relação de ter música em cena, mas não é necessário que seja uma canção. E fim.

80.424 experimentos!!!!!

Hoje tivemos mais uma noite muito especial no nosso Barracão. Compareceram pouco mais de setenta pessoas na platéia, dentre elas algumas figurinhas já carimbadas, que vêm acompanhando sistematicamente os encontros. Em tempo, isso tem sido um grande barato, essas pessoas que vêm criando esse vínculo afetivo conosco e com o processo, acompanhando cada passo.

Além da apresentação do experimento, fomos agraciados com o belo espetáculo do João Lima, O Circo de um Homem Só. Foi muito bonito ver aquele trabalho tão cuidadoso, extremamente engraçado, encantando e envolvendo todos na plateia do nosso Barracão. Como é bom ver o nosso Barracão com gente, em especial gente assistindo belos trabalhos como esse! Pela semana que tivemos, e pelo espetáculo de hoje, toda a nossa gratidão, caro Lima!

Por fim, queria destacar a brincadeira com os números dos experimentos que estamos fazendo desde a apresentação do trabalho com o Márcio, que não tenho certeza se já foi citado aqui no blog. O Márcio sugeriu que a cada cena do exercício dele um dos atores anunciasse o número e o título do experimento, num recurso bem brechtiano de antecipar o que a plateia está por assistir em seguida. Neste exercício, os experimentos foram numerados até pouco mais de 9.000, dando uma ideia brincalhona de que tínhamos levantado esse número de experimentos durante a semana com o Marco. Na semana seguinte, abrimos a leitura do livro com a repetição deste último exercício, e finalizamos com o César anunciando o experimento número setenta mil e pouco, que era a leitura do texto “Navegando com o Cavalo-Marinho”, do André Neves sobre a sua obra. Hoje o Lima anunciou, antes da apresentação, o experimento 80.423. Em seguida, corrigi, indicando que era o 80.424. Assim, nosso infindável arquivo de materiais cênicos, corporais, musicais, imagéticos e adjacências, vai ganhando números para o Guiness de maior processo de montagem de espetáculo teatral do mundo!!! E eu, ansioso para anunciarmos os milhões!!!

Meios

Sábado, 19:45h em ponto. Ponto. Posto essas palavras em cena. Sou Marco, por enquanto. Serei André, Dorival, Neruda ou Zila. Sensação engraçada, diferente. Sou, mas estou? Acho que sim. As palavras me inibem um pouco nesse momento. É como se as poucas pessoas que estão no Barracão pudessem ler meus pensamentos agora. Saberão depois, de fato, o que tanto eu escrevia. O tempo se faz de palhaço. Ri de mim. Rio de você. Aquilo que agora, enquanto as ondas reviram meus pensamentos é presente, pra você que lê é meio passado. Meu, pelo menos. Seu? Presente. Marco! Presente!! Aqui estou eu. Esse sou eu. Meio desnudo, meio ingrato. Meio curtido e prazeroso. Relaxo. Bebo um pouco de água. A minha água, por enquanto. A coca-cola meio quente, meio garapa com pinta de café frio, me arranca um sorriso, meio de canto de boca, e completamente sincero. Sim, certamente estou. Agora sim. Sinto o perfume de alguém que privilegiadamente tomou um bom banho. Sinto minha barba por fazer. Privilegiada barba dos que trabalham enquanto os outros acham que se divertem. "Eu tô com fome!!" Grita alguém da platéia. Os educados pedem silêncio. Mas, a fome continua. As pessoas aos poucos vão enchendo as cadeiras da nossa casa. Do nosso palco. Jogamos em casa. É bom demais isso. A fome? Bom, a minha de estar em cena, é enorme!!! Tsc tsc tsc, ok. Eu sei. Já estou. Mas ainda sou Marco. Meio, talvez. Meio MAR, meio BARCO. Silêncio. Silêncio demais. Estamos sendo observados. Parece que começou mesmo. É...friozinho no bucho. Acho que é hora de finalizar.
Começo a ser meio eu, meio outros.
Até.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Cantoria

Hoje eu e o Fernando chegamos mais tarde, porque fomos comprar uma surpresa para o grupo: nosso novo integrante, um peixinho betta. Quando chegamos, os atores já estavam no chão, fazendo os exercícios corporais a partir do sistema Laban/Barteinieff. Essas movimentações foram trabalhadas pelos atores todos os dias essa semana, e é muito legal perceber o quanto eles têm se apropriado das movimentações, entendendo o próprio corpo, o melhor jeito de se movimentar, a forma mais confortável.

Assim que terminaram, eles fizeram uma roda e, sentados no chão, começaram um aquecimento vocal. Lima ia orientando. Primeiro vibração de lábios, depois humming, procurando não tensionar o corpo e ficar numa postura confortável e correta. A seguir, eles começaram a explorar as vogais e suas diversas tonalidades, grave, agudo e suave. Também fizeram vibração de língua e falaram a vogal u, voltados com a cabeça para o chão, procurando escutarem o próprio som.

Depois, começaram a cantar trechos de músicas populares sobre o mar, trazidos pelo Lima. Não só cantaram, como também improvisaram, com Lima no pandeiro. Dava pra perceber que os meninos estavam se divertindo ao cantar. Abaixo, transcrevo a letra de algumas canções cantadas.

Samba no mar
Samba no mar, marinheiro

Quem me ensinou a nadar (2x)
Foi, foi marinheiro, foi os peixinhos do mar.

Meu navio inglês, “das água” de Goiana
Ô, morena bonita, bandeira republicana, aiá.

Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço da ondas
A paz ela semeia

Ôgunte, Marabô Caiala e Sobá
Oloxum, Inaê, Janaína, Yemanjá.

Enquanto os meninos cantavam, Fernando pediu que eu pegasse o peixinho para apresentar ao grupo. A idéia de trazer esse novo integrante veio no dia anterior entre Marco, Lima e Fernando. O peixinho recebeu o nome de Marim, e ficou lá no meio da roda.
Os meninos continuaram cantando e anotando idéias, modificando letras das músicas, lendo o texto e observando quais os momentos de pausa, de sons, de valorização de palavras e de relação entre os personagens.

Camille estava com dificuldade com a música da lavadeira. Marco e Fernando observaram que ela cantava com uma ligeira impostação, além de dar a ideia de um certo desleixo, ou cansaço, ao cantar. Fernando então sugeriu um exercício que todos os atores fizeram juntos. Eles andaram nos passinhos da trupe chegando e cantaram ao mesmo tempo, como rezadeiras, ou carpideiras, quase berrando, até que os três atores pararam de cantar e apenas Camille continuou, achando sua forma de cantar.

Depois, continuaram ensaiando, e aos poucos Lima foi direcionando, propondo ajustes, os meninos criando ações, sugerindo coisas, até que as cenas foram tomando forma, com muita tranquilidade.

Workshops iluminados!

Após passadas três semanas de trabalho, volto a escrever nesse diário. Na verdade, minha contribuição só pode ser esporádica, já que ando muito envolvido com minha dissertação de mestrado, cujo título, ainda provisório, é: Iluminação e a Construção do Espetáculo: uma Proposta Pedagógica. Além do sofrimento de escrever formalmente, tenho que agüentar “esses malas” me chamando de “mestre” como se o conhecimento acadêmico fosse um atestado de inteligência.

Brincadeira à parte, venho aqui descrever sobre duas experiências com luz realizadas nessa última semana de trabalho no processo do capitão, a sombra chinesa do César e a farolete de marinheiro do Marco. A primeira foi inspirada na imagem de um filme (desculpem não me recordo o nome, sou péssimo para guardá-los, assim como o Lima rsrsrsrsrs) e, nada mais é, do que a clássica convenção da sombra chinesa que começa a se comportar a revelia dos gestos do seu dono, como o Peter Pan (não sou louco! Não é esse o filme.). O segundo, foi um exercício com um farolete antigo de marinheiro que se transformava em luneta no decurso do workshop, detalhe, o pequeno telescópio também emitia a luz com uma lanterna adaptada.

Eu e Paul (como carinhosamente chamo o César) ficamos, depois do expediente, experimentando luzes para a melhor realização técnica do workshop. A idéia de trabalhar com sombra chinesa, á uma vontade antiga, e vinha sendo discutida há, pelo menos, uns dois anos com o César, até materializar-se de forma simples e preliminar nesse exercício. O farolete do Marco foi construído e desenvolvido pela nossa querida estagiária Gabriela, que conseguiu sintetizar as idéias mirabolantes, e poéticas, do Air France (a forma não tão carinhosa que chamo o Marco).

A única lamentação foi não estar presente no dia da apresentação dos workshops! De qualquer forma, fica aqui minha felicidade e de ver os atores incorporando o elemento luz nos seus exercícios de criações individuais, já que defendo que a construção da iluminação do espetáculo, principalmente em processos criativos mais coletivizados, não deve ser uma prerrogativa única e exclusiva do iluminador.

Lucy in the Sky with Diamonds

Depois de escrever não menos que dez vezes o trecho da obra “O Capitão e a Sereia” que me foi designado pelo encenador João Lima, começo chegar a lugares nunca antes por mim navegados no oceano literário de André Neves.

Percebo como ele harmoniza o texto a partir de duas linhas que parecem conduzir a história de forma simultânea. Existe uma seqüência lógica, racional, em sua forma de escrever, mas também uma sequência emocional, sensitiva, como se a fábula apenas se desdobrasse quase que naturalmente, sem o mínimo esforço.

Marinho sai para buscar o mar, se depara com ele, observa, experimenta, usufrui, é acolhido, e por fim, fica intimo do objeto desejado.

Tudo na mais pura e simples lógica de acontecimentos. Assim como deve ser, sem mistérios ou rebuscamento.

Mas, além disso, André cria condições para que um fato leve a outro quase que naturalmente, é nesse momento em que ele apela para os sentidos. Marinho, que durante dias caminhou pelo sertão escasso e quente, em um determinado momento se depara com o mar. André então narra:

E finalmente, numa manhã de sol, quando o calor se misturou à brisa fresca na paisagem verdejante, um mar se abriu completamente, com todos os seus tons de azul. Marinho não enxergou mais nada.

O trecho me remete a uma zona de fronteira, um apelo para os sentidos, uma sensação de refrescância para a pele e para os olhos também. Quando diz que o personagem não enxergou mais nada, quase que sugere o ser estático a contempla, me arriscaria até a falar que imóvel ele ficou por um bom punhado de horas.

E ainda continua:
Tudo cintilava, e o oceano era único e gigante. Depois de sentir todas as sensações a beira-mar, ele mergulhou, e nada mais lhe atravessou o espírito, a não ser o silêncio que se espalhava nas águas.

Acredito não ser à toa que Freud denominou de “sentimento oceânico” as experiências de unidade do bebê com a mãe, através do seio, no momento da alimentação. Também Stanislav Grof, em suas pesquisas psiquiátricas nada convencionais, com uso de LSD e outros similares (ou genéricos! rs), se referiu ao mesmo sentimento para a relação intrauterina.

Ambos, tanto Freud como Grof, falam que essa sensação é rememorada nos momentos em que temos experiências que nos remetem a integração e pertencimento, quando algo nos remete ao sentimento de unidade universal.

Não sei o quanto André Neves tem consciência desses fatos ou o quanto eles são organizados de forma fluentemente intuitiva, mas fato é que durante esses dias, a cada vez que tive de escrever cada palavra do seu texto, fui descobrindo lugares de profundezas intrigantes.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cordel, nós e cordões

Pense num sono bixiguento! Tô aqui brigando com o peso dos olhos, mas não queria ficar sem postar. E não é só o futebol que é uma caixinha de surpresas. Muitas coisas reveladas e vividas nesse curto espaço de tempo, mas não menos importantes. Desde a semana de trabalho com o Márcio tenho pensado bastante no estado cênico e na minha presença física como ator. Com Lima não tem sido diferente. Muitas dúvidas, questões em aberto e uma forte sensação de burrice absurda. Sentimento difícil de engolir assim. Um misto impulsivo de raiva e aceitação. Menos é mais. Sempre soube.........teoricamente, claro. Uma coisa é entender. A outra é conseguir realizar. I N T E R N A L I Z A R. Colocar dentro de si. Xiiiiii! Si, Si bemol ou Si sustenido? Si sustenido sim, existe, dependendo do contexto. Assim como eu, em meio a esse maremoto.

Apesar do caos fazer parte dos processos (pelo menos pra mim), tudo tem sido muito tranquilo e com a certeza de que está tudo sob controle. Atuar sem deixar-se envolver. Deixar a palavra falar por si. "Menos peso". "Relaxado demais". "Tenso demais". "Humanize". "Torne interessante". "Esteja interessado". Sabe aquela sensação de estar diante de um grande banquete onde o nosso pobre estômago não suporta quase nada daquela fartura? Pois é. É preciso comer de tudo, mas em refeições distintas. Comer com moderação. Gordo é uma coisa séria, metáforas e guloseimas...

No exercício de buscar as ações para o ESCRITOR, fui incubido de criar um cordel com duas estrofes que contasse uma história sobre Marinho, e que não estivesse presente no livro do André. Tudo isso com o foco para que eu encontrasse de forma mais natural, ações mais realistas e menos externas. Como a hora é de levantar coisas sem a mínima ideia do que ficará até o final dessa montagem, e provavelmente isso não será usado nesse experimento, registro aqui a criação desse cordel em sextilha, após uma breve consulta ao Deus Google sobre esse formato de compor um texto.

SONHO DE MARINHO

Numa noite de sono curto
Revirando de cá pra lá
Marinho embalou num sonho
Profundo num mundo de mar
E como nadar não sabia
Afoito se pôs a afogar

Foi um reboliço danado
Batida de pé e mão
Num susto acordou mijado
Num pranto abriu um bocão
Sertão de Marinho era mar
Mar de Marinho é sertão

Relatos de uma estagiária.

Sim, estagiário também escreve. Depois de alguma pressão de todos os integrantes do grupo, resolvi que finalmente era minha vez de deixar depoimento por aqui.
Pois é, estagiária na casa!
Acho que não tenho com começar esse textinho, porque vai ser bem pequeno comparado com os detalhados e precisos relatos de Paula, sem falar o motivo de eu estar aqui. Tudo começou há nove anos quando inventei de me meter com teatro. Que idéia! O tempo foi passando e de um grupo bobo de escola esta paixão foi se transformando para o olhar de uma arquiteta. Sim, arquiteta formada Muito chique, não?
No fim da minha faculdade aperriei demais Fernando, que com tamanha paciência me auxiliou na horrenda odisséia de escrever uma monografia. Adivinha de que era? Um teatro. Depois disso Fernando nunca mais teve paz, coitado. Inventei de fazer oficinas, mandar email, tudo no mundo. Ele, sem agüentar mais a minha pentelhice, resolveu me chamar pra participar desse processo aquático e me deu a chance que eu tanto ansiava.
Eu cheguei no meio da semana do Márcio Marciano e logo de cara fiquei maravilhada com tudo. Sim, eles são tão bons quanto parecem à primeira vista. E receptivos. Isso não se tem como negar. Assumo que no começo fiquei meio deslocada, sem saber onde colocar as mãos nem os pés, mas depois fui perdendo a vergonha e ficando bem mais a vontade. Escutar e observar tem sido um processo e tanto, muito mais do que eu podia esperar. As idéias brotam e me saem como frases toscas que escrevo no meu caderninho amarrotado.
Com o passar dos dias fiquei mais confortável com essa nova rotina e essa nova casa. Já to quase me sentindo dona do espaço. Cada rosto novo, expressão nova, rostos e sons, não são mais um choque, mais uma surpresa agradável. E é impossível não rir desesperadamente todos os dias. Simplesmente impossível.
Chegou a semana do Lima, e no primeiro dia, assim logo de cara, teve um exercício que me marcou demais. A “Roda do Olhar”como intitulou tão bem a Paula, mexeu com a minha forma de ver aquele grupo. Não mais eu ficava “do lado de fora”, eu já estava do lado de dentro, brincando com eles, jogando bola com eles, entendendo melhor o processo deles. Sinto que tenho um pouco mais de conhecimento de causa, só por causa daquele momento. Uma barreirinha minha caiu.
O processo do Lima é mais corporal e emocional. A racionalidade, pelo menos para quem está de fora, parece estar no canto, só observando invejosa. É interessante presenciar esse outro lado da moeda e ter outras impressões até mesmo sobre o próprio Capitão Marinho, que me parece estar o tempo todo rondando o barracão. Ele e seus aquários.
Então é isso. Não vou me estender mais, porque daqui pra frente ia ser só para encher linhas. Fiz o meu relatinho, que só pode terminar com um enorme agradecimento pela permissão de estar aqui. Dizem que o primeiro amor a gente nunca esquece. Sinto que também não vou me esquecer da minha primeira experiência na cenografia.

Ensaio da trupe

Sávio comandou o primeiro momento de trabalho do grupo, com o Contact Improvisation, e eu e Lima participamos também. Gostei bastante desse primeiro “contato”! Rs...

Terminado o Contact, fizemos uma roda, sentados no chão, e conversamos sobre esses dias com Lima, que teve uma avaliação muito positiva e significativa para o grupo, e falou da relação de escutar e de aproveitar bastante o que Lima propõe.

Ao fim da conversa, os meninos começaram a pesquisar formas de andar orientando-se pelas conexões ósseas. Eles escolheram três andares, dos que acharam mais interessantes, e depois mostraram para Lima. Apresentadas as opções, o diretor escolheu um andar de cada um e pediu que os outros também aprendessem.

Fizeram uma caminhada juntos, em formato de cruz, que foi sendo modificado, até que o formato final ficou: Marco na frente, Renata e Camille atrás e, depois delas, César. Lima foi direcionando, propondo ajustes nos andares, buscando uma imagem da trupe chegando.

No exercício seguinte, Lima pediu que um ator fosse para a cena e fizesse uma ação de uma ação qualquer. Depois, enquanto este ainda estava em cena, outros iam entrando, fazendo uma ação diferente, dentro da mesma ação sugerida.

Camille foi primeiro e começou a debulhar algo, que depois ficou claro que era feijão. Marco pegava a vagem e jogava no lixo, Renata catava a sujeira do feijão, César cortava o pé de feijão e trazia para Camille debulhar.

Depois, fizeram o exercício novamente. Marco começou a limpar garrafas, a princípio sua ação não ficou muito clara para mim, porque não consegui enxergar o pano, só vi que ele pegava a garrafa. Aos poucos, fui começando a entender. César preparava drinks, com as garrafas que Marco limpava, Renata começou a beber os coquetéis que César preparava e Camille lavava as taças sujas.

Em seguida, Lima pediu que eles montassem uma máquina em ação, usando os seus corpos e sons. Eles montaram uma máquina que não sei bem como descrever, mas sei dizer que foi divertida e que continha cenas um tanto obscenas.

Ainda na mesma proposta, Lima pediu que os meninos, pensando na imagem da trupe montando o lugar para a apresentação, mostrassem essa imagem apenas com seus corpos, objetos imaginários e sons, e se preocupassem em mostrar que trupe estava montando algo, e não em tornar a cena realista.

Assim, os atores começaram a conversar sobre como fazer isso e a buscar soluções. Um dava uma idéia aqui, outro ali, até que eles chegaram a uma imagem dos quatro atores, abrindo uma espécie de baú grande, e definiram alguns sons interessantes que pontuavam o trabalho da trupe enquanto abriam o baú.

Após isto, os atores montaram os ambientes que haviam criado para os seus personagens – Marco/escritor, Renata/dona de casa, Camille/lavadeira e César/pescador – e começaram a escrever trechos do livro, tentando se concentrar e memorizar. Ao terminarem, eles deram uma passada em tudo. Fizeram a entrada da trupe, a abertura do baú e seguiram para os seus lugares, onde começaram a contar a história do Capitão e a Sereia.

Aos poucos, foram surgindo ideias. Lima experimentou uma proposta que fiz ontem, de que em cada ambiente tivesse um aquário com água. Marco começou a gravar a Renata falando, como se ele a estivesse entrevistando, foi até ela e pegou um cafezinho. Aos poucos, cada ator foi construindo ações interessantes para os seus personagens.

Depois, tivemos uma rápida conversa sobre o ensaio. Ficaram algumas sugestões, como cada ator buscar ações mais sonoras, e outras formas de intervenção nas cenas e nas transições entre cada texto, para dar mais dinâmica e tornar a cena mais interessante.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Memorizando o Capitão

Mais um dia de Lima! E começou com os atores fazendo o repertório de movimentos que já citei em postagem anterior, do sistema Laban/Barteineieff: balanço dos calcanhares, elevação da coxa, alongamento homolateral, entre outros, feitos com os atores prestando atenção nos alinhamentos das conexões ósseas, com músicas ao fundo.

Lima acrescentou três movimentos diferentes para levantar do chão: levantar a partir do contra lateral - de lado, em formato de concha, o ator volta a ficar em “X” de bruços, e aos poucos vai levantando, usando as mãos. Levantar com rotação do braço - queda de joelho com propulsão do braço, a mão puxa o movimento em forma de espiral, e o levantar com irradiação central. Aos poucos, ele ia ajustando os movimentos dos atores.

Como hoje fiquei de fora de todos os momentos, pude experimentar observar esse primeiro momento, que já tinha feito ontem. Fazer é muito gostoso, mesmo quando ainda estava descobrindo o melhor jeito de fazer o movimento, e observar também, pois achei tão bonito ver quatro corpos diferentes, com seus limites, suas desenvolturas e facetas, tudo tão tranquilo.

Os procedimentos de Lima e explicações, são muito próprios de alguém que gosta de ensinar. Ele tem prazer em falar sobre o que conhece, e vem dirigindo bem esses encontros. O que eu sento falta é de momentos de conversa sobre os exercícios feitos. No entanto, se essa conversa de que senti falta tivesse acontecido, me pergunto se não teria se estendido muito, e se os atores teriam perdido outros momentos tão importantes, e se essa é apenas uma sensação minha e não dos atores.

Depois veio a “Roda do Olhar”, agora feita com os quatro atores e Lima. Depois da roda, uma sacudida no corpo, e partiram para experimentação das conexões ósseas, ao som de música, que trocavam ao comando de Lima. Eles também experimentaram as conexões falando um texto do Capitão.

O próximo comando foi caminhar normalmente, sem andar mecanicamente, e quando alguém parava, todos paravam. Em seguida, caminhar com um objetivo, e de repente, mudar de objetivo e caminho. Aos poucos iam sendo acrescentadas outras informações, como caminhar, parar e mudar de objetivo; caminhar interessado no objetivo; etc.

Então, Lima pediu que escolhessem um ponto na sala. Depois um segundo ponto. Os atores foram para o primeiro ponto, depois para o segundo e voltaram para o primeiro. Depois escolheram o terceiro ponto. E assim, memorizaram os três pontos.

Assim, criaram um caminho que passavam pelos três pontos, e esse caminho não deveria ser em retas. Depois de memorizada a trajetória, eles fizeram o caminho explorando os três planos, alto, médio e baixo; os ritmos, rápido, normal e lento; chorando, cantando e sorrindo; raiva, medo e vergonha.

Esse exercício foi bem divertido, os meninos são muito criativos. Lima pediu para que no começo fizessem 100%, o extremo do estado, para depois mudar. E eles não podiam repetir o mesmo elemento de um trecho para outro. Também falou uma frase interessante para os atores, enquanto eles faziam o exercício, e que tomo para mim também, “não queira ser interessante, esteja interessado”.

Para o próximo exercício, as cortinas pretas ao fundo da sala foram fechadas, e no meio da sala foi colocada um cadeira e uma bola. Os atores tinham que escolher dois estados, entrar com um deles, e ao se relacionar com a bola e, estimulados por essa relação, mudar para o outro estado.
Camille foi a primeira. Ela entrou pensativa, e saiu com raiva. Foi bem clara a mudança dos estados, só que ela não havia mudado por causa da bola, pois quando Lima explicou, não tinha ficado claro que a causa da mudança de estado, teria que ser o objeto.

O segundo foi César. Ele entrou envergonhado, e a bola o fez cair, assim ele saiu com muita raiva. Foi interessante ver o César, ele estava em outro registro corporal que eu não conhecia.
Na vez de Marco, ele entrou emburrado, se machucou com a bola, e saiu com mais raiva e dor.
Renata entrou muito triste, mas voltou para trás da cortina, porque o público estava rindo e ela acabou rindo também. Fez isso mais uma vez. Na terceira, ela aproveitou o estado de alegria, entrou rindo e, ao ver a bola, ela ficou triste.

Quando as cenas terminaram Fernando comentou que achou que a de Renata teve uma pequena transição entre as mudanças do estado, e que na cena de Marco ele não viu a mudança de estado. Após uma ligeira discussão “boa” sobre se a dor proporcionou uma mudança de estado ou não, entre Marco, Fernando e Lima, este perguntou a Marco: você concorda com Fernando? Mostre!
Marco fez novamente. Entrou com o estado de raiva, emburrado, e ao se machucar com a bola, passou para o estado de dor, lamentação. Na segunda vez ficou mais clara a mudança de estado, e no fim, chegamos à conclusão que Fernando e ele estavam falando da mesma coisa.

Camille teve a sua segunda chance. Entrou com raiva, mas ao ver César rindo, voltou para trás da cortina. Assim, Lima aproveitou e disse que ela tinha que provar que existe, ver e ser vista. Então ela entrou novamente com o estado de raiva, e ao pegar a bola, ficou tranquila e saiu de cena.

O exercício seguinte partiu do pedido de ontem do Lima, que os meninos pesquisassem as ações de escritor (Marco), lavadeira (Camille), dona de casa (Renata) e pescador (César). Devo dizer que os meninos foram bem além do que o Lima pediu, e isso foi bom. Utilizaram vários elementos de cena, e criaram ambientes para fazerem as ações dessas pessoas. Enquanto isso, além de ajudar os meninos, Gabriela pesquisava figuras de igrejas, e lia o livro Architecture, Actor e Audience, de Ian Mackintosh. Ronaldo também esteve por lá, e ajudou os meninos.

O que Lima queria com esse exercício era que os meninos experimentassem fazer, o que essas pessoas fazem, e não fazer de conta. A pessoa é o que ela faz, ele disse. Assim, ele foi até Marco, e pediu que ele (que estava pesquisando ações de escritor, de uma forma muito “mostrada”), escrevesse duas estrofes em cordel, de uma passagem do livro do Capitão. Para quem estava de fora, foi nítida a diferença, das ações, do olhar, que Marco fazia antes, e depois, em que ele estava preocupado em fazer o que o Lima pediu, foi mais interessante.

Renata, pesquisando ações de dona de casa, trouxe um som, cantou músicas, comeu milho, varreu, deu café para os vizinhos, em alguns momentos, conversou com as pessoas.

César com seu barco-case, tinha uma rede de pano, uma garrafa ao lado, uma vara de bambu que era o seu remo, entre outras coisas. Ficou um bom tempo, ajeitando sua vara de pescar, pelo que eu entendi, e parecia realmente alguém que ia pescar.

Camille, no início, estava apenas com uma bacia, e os seus outros elementos eram imaginários. Apesar da ideia ser boa, estava destoando dos meninos, que tinham tantos elementos. E já que era para pesquisar as ações, fazer o que uma lavadeira faz, Lima trouxe para ela uma tábua, onde ela poderia lavar roupa, depois eu sugeri que ela pegasse roupas também.

Após a pesquisa de ações, sentados nos ambientes que haviam criado, os atores escreveram os mesmos trechos de ontem, do livro do Capitão.

O exercício seguinte foi um jogo com a bolinha. Em dupla, virados de costas para a platéia, os atores viam uma bolinha que o Lima jogou e decidiam, sem falar, qual dos dois pegaria a bolinha primeiro. Ao pegar a bolinha, o ator jogava para outro ponto do espaço, quando deveria ser pega pelo outro ator. Todas as ações deviam ser feitas olhando para a platéia, e exercitando a triangulação, objeto, pessoa e platéia.

Posteriormente, os atores fizeram o exercício de ontem do banquinho, dessa vez, cadeira. Aquele que entram em cena com a cadeira, têm dúvida de onde colocá-la, depois sentam e contam os trechos do livro que copiaram. Nenhum dos meninos conseguiu passar da primeira frase, também não é fácil mesmo, mas que é divertido, isso é.

Lima então, pediu que eles voltassem para os seus lugares, dessem uma olhadinha no texto e, um por um, com o livro em suas mãos, pediu que eles falassem o texto. Repetiu isso várias vezes. Aos poucos, os meninos iam conseguindo memorizar mais palavras, mais texto. É engraçado ver a cara deles, tentando memorizar, e putos – o Marco, mais especificamente – quando esqueciam.

Por último, como tarefa de casa, Lima pediu que lessem o livro em casa, sem ler em voz alta, apenas com o olhar, memorizando os trechos, e que trabalhassem as ações e os textos separadamente.

Finalizando, os atores e Lima fizeram uma roda de mãos dadas, e com entusiasmo gritaram “Clowns de Shakespeare”.

Uma provocação!

“Talvez o mais importante paradoxo relacionado ao caráter da Era Moderna seja a estranha maneira como seu progresso, depois da Revolução Científica e do Iluminismo, trouxe ao homem ocidental, poder, expansão, amplitude de conhecimento, uma profundidade de percepção sem precedentes e o êxito material que ao mesmo tempo serviu para enfraquecer a posição existencial do ser humano em virtualmente todas as frentes – primeiro, de forma sutil e depois, decisivamente: metafísica, cosmológica, epistemológica, psicológica e, finalmente, até mesmo a frente biológica. Uma irreversível oscilação, um entrelaçamento indissolúvel entre positivo e negativo pareceu marcar a evolução da modernidade.”

Richard Tarnas – A Epopéia do Pensamento Ocidental.


Não sei se posso ou devo abraçar o postulado de Tarnas incondicionalmente. Não sei se as complexidades de toda uma época caberiam tão facilmente em um mapa dualista como esse. Mas fato é que, no livre exercício reflexivo sobre o nosso querido Capitão, temos aí uma provocação interessante.

Certo dia, sem muitas explicações, Marinho larga seu ofício, seus amigos, sua trupe, para ir em busca do seu sonho. Chegando lá Marinho percebe que o seu mar só faz sentido no contexto da realidade que ele abandonou, ou ainda na plenitude do seu ofício.

Então eu pergunto:

Qual o custo do alargamento do território humano?
Sob que interesses o homem traça sua jornada, sua busca?
Quais são seus verdadeiros balizadores?

terça-feira, 23 de junho de 2009

Pegue o seu banquinho...

Iniciamos o segundo dia de trabalho com João Lima, novamente com a “Roda do Olhar”, com a diferença de que a roda hoje estava mais fechada.

Ainda em círculo, começamos a jogar uma bola, de um para o outro, e pensar em modos diferentes de fazer isso. Depois o círculo foi desfeito, e nos movimentamos pelo espaço. Aos poucos, Lima ia dizendo regras diferentes, como: pegar e jogar a bola tirando os dois pés do chão, e caso a bola caísse, todos iam para o meio rapidamente, se abaixavam e olhavam nos olhos dos outros, depois voltavam a jogar. No decorrer do exercício, a bola passou a ser invisível, e podíamos transformá-la em outras coisas. Foi bem divertido.

Lima falou sobre como andar, sem deixar o corpo ir para frente, encontrando o eixo, e percebendo a transferência de peso. Assim, experimentamos o andar pelo espaço, e aos poucos fomos acelerando. Combinando com o olhar, caíamos no chão, primeiro com pessoas mais próximas, depois mais longe, e voltavámos a andar.

Em seguida, formamos dupla, uma pessoa ficou deitada, e a outra sentada ao lado, observando. Depois trocamos. Primeiro fizemos rotação dos pés, depois o sobe e desce do calcanhar. Repetimos algumas movimentações do sistema de Laban, feitos ontem, como pré-elevação da coxa, movimento centro-periferia, queda de joelho, entre outros. Depois todos deitaram no chão, em diagonal, um pegando nos pés do outro, e fizemos uma corrente de torções, utilizando o alongamento homolateral.

Terminado a corrente, partimos para o próximo exercício, as “Conexões Ósseas”. Lima pegou cartolinas e colou-as, Camille deitou em cima delas, e Gabriela desenhou o contorno do seu corpo. Usando o desenho, Lima foi explicando as conexões que o nosso corpo possui, e falou da importância de conhecermos o nosso corpo, para nos aquecermos sem esquecer nenhuma parte, e também para criar.

Assim, andando pelo tablado, com música ao fundo, experimentamos todas as conexões: cabeça/cóccix, escápula/escápula, escápula/mão, ísquios/calcanhar, trocanter/trocanter e púbis/cóccix. Experimentamos também dançando uma música. E Lima relembrou as movimentações do dia anterior, mexer apenas parte de cima do corpo, lado direito, e assim foi. Até que deitamos no chão, de olhos fechados, e corpo relaxado. Lima então levantou nossa cabeça e as pernas, mexendo, para que relaxassem. Ficamos um pouquinho lá, depois abrimos os olhos e começamos a espreguiçar o corpo, aproveitando bem.

O exercício seguinte foi de memorização, os quatro atores, Rê, Marco, César e Camille, pegaram os seus livros do Capitão, e copiaram em uma folha de papel, algumas páginas indicadas por Lima, por duas vezes. Eles tinham que ficar bem concentrados, e prestar atenção nas palavras que escreviam.

Em seguida, todos sentaram nas cadeiras, e o Lima pediu que cada um, na sua vez pegasse o banquinho, e escolhesse o melhor lugar para colocar, depois sentasse e contasse o trecho da história que tinham copiado, com as mesmas palavras do livro, sem errar, sem vacilar. Tudo isso deveria ser feito com uma relação de olhar com a platéia muito próxima à do palhaço. Quando alguém vacilava ao contar a história, o Lima dava um "tchauzinho", (e o resto do público acompanhava) e o ator deveria imediatamente interromper a contação, e dar um jeito de finalizar a cena, saindo do palco.

Para isso, o diretor pediu que pensassem em três coisas: ser, estar e fazer, nessa sequência. E que primeiro vissem o público, em seguida, pediu que ao para colocar o banquinho no lugar, mostrassem antes a dúvida de onde colocar, de qual seria o melhor lugar.


César foi o primeiro. Ao entrar em cena com o banquinho, César demonstrou, fez, antes de apenas “ser”. Então ele retornou e começou novamente, apenas sendo. Observando o César, percebi que em alguns momentos seu olhar se perdia, e parecia que para conquistar o público, ele sorria, e me parece que não era necessário ele fazer isso, mas sim, simplesmente estar sereno. Depois ele sentou, e contou o trecho de sua história.

Marco começou o exercício com um andar muito pesado, além de muito característico dele em muitos personagens e exercícios que já vi. Depois, ficou mais neutro. Encontrou um jogo divertido entre a cadeira e o ventilador. Ao contar a história, mostrou uma grande desenvoltura para enrolar, já que claramente não lembrava das palavras, mas tinha habilidade para falar com fluência.

Renata ao entrar com um banquinho, escutou um forró que vinha da vizinhança, alto, e se aproveitou disso em alguns momentos, e gerou um jogo legal, mas ainda assim a música atrapalhou sua cena. Algumas vezes, ela esquecia de olhar para o lugar onde ia colocar a cadeira.

Camille também fez, antes de ser. Mas continou e, quando estava iniciando o jogo com a cadeira, decidiu rapidamente pelo lugar oposto de onde Marco estava, pois ele havia soltado um pum, um peido mesmo, que inclusive afastou todo o resto do público que estava próximo a ele.

Ao sentarem nas cadeiras, cada um na sua cena, começaram a contar os trechos das história do livro, no entanto, todos esqueceram, uns mais do que outros.



Para finalizar, pois o tempo hoje foi mais curto, devido uma reunião do Redemoinho Natal, às 19h, Lima apenas solicitou dos atores que pesquisassem um repertório de ações. Marco, como escritor/repórter, César como pescador, Renata como uma dona de casa, e Camille como uma lavadeira.

Tivemos hoje também a presença do querido Maurício Cuca, fotógrafo do estúdio P, que vai acompanhar o processo. Legal! E também estava presente, nosso querido Ronaldo, iluminador 10!

Foi isso...

...e saia de mansinho!

Simplesmente Lima

Ontem começamos a semana de trabalho com o ator, encenador e palhaço João Lima. Ele nos apresentou alguns exercícios que trazia anotado em seu caderninho. O primeiro deles trava-se apenas de olharmos, uns aos outros, olho no olho. Daí em diante veio uma seqüência de outras dinâmicas, todas marcadas com traços de estrema simplicidade.

Interessante disso tudo é que no domingo, em um estimulo que veio não sei de onde, decidi (re)ler a trilogia de Stanislavski, desde “A Preparação do Ator”, passando pela “Criação de Um Papel” e findando na “Construção da Personagem”. Isso me fez com que chegasse para o primeiro dia de trabalho com Lima ainda permeado pelo entusiasmo dos alunos em seu primeiro dia com o diretor Tortsov.

Não sei como se seguirá a semana de trabalho, mas sei que estou gostando, tanto da leitura com o Russo quanto do trabalho com o Baiano. Tenho percebido nos pequenos workshops que temos realizado a importância de um trabalho de base para o ator, que por vezes me falta. Por isso oportunidades como essa, de revisitar os mais primários fundamentos, principalmente em meio à loucura de um processo, me parece tão indispensável.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Dia de Iemanjá


Hoje foi o primeiro dia de trabalho com o diretor João Lima. Começou com uma conversa rápida sobre a programação do grupo nessa semana, e o Lima falou um pouco sobre o roteiro que pretende trabalhar, mas que tudo irá depender do andamento da semana.

Participei de alguns momentos dos exercícios propostos por Lima. O primeiro deles, foi a “Roda do Olhar” (denominação do próprio). Todos da equipe fizeram um círculo pequeno, e cada um, na sua hora, foi para o centro, e olhou nos olhos de todos que estavam na roda. Para mim, foi ótimo ter esse momento, poder parar e olhar nos olhos das pessoas que estão dividindo comigo esse processo, sem precisar dizer nada, apenas olhar e sentir o outro, foi muito bom.

A Roda do Olhar, clicada pelo Maurício "Cuca" Rêgo

Em seguida, ainda em círculo, trocamos massagens e boas batidinhas. Depois fizemos o “Aquecimento da Felicidade”, criando uma energia positiva para os exercícios que viriam a seguir. O aquecimento consistiu em cada pessoa dizer o nome no meio da roda, com entusiasmo. Depois acrescentamos um sobrenome inventado, e este tinha que ter a mesma letra inicial do primeiro nome. Por último, dissemos o sobrenome acompanhado de um gesto, que foi repetido por todos, em sistema de coro-corifeu.

Começamos a andar pelo espaço, e os comandos do Lima iam se modificando. Primeiro, a gente andou pelo tablado, e quando uma pessoa parava, os outros, no mesmo instante, também o faziam, e quando alguém decidia voltar a andar, os outros também voltavam. Depois começamos a correr, e quando parávamos, tínhamos 8 tempos para deitar no chão, e para subir. Foi isso até chegar à 1 tempo, depois no deitamos, e ficamos em posição de “X”. Os objetivos desse exercício eram trabalhar a atenção, o olhar, a percepção e também aquecer os atores.

O exercício seguinte faz parte do sistema de Laban/Barteinieff. Deitados no chão, ainda em posição de “X”, com os pés direcionados ao teto, fizemos alguns movimentos que cito a seguir:

- Respiração celular: o corpo respira como uma célula só.

- Irradiação central: o ar entra pelas seis pontas, pés, mãos, cabeça e cóccix.

- Movimento centro-periferia: deslocamento do corpo.

- Homolateral: contração dos lados do corpo (direito e esquerdo).

- Pré-elevação da coxa: ao expirar, subir a coxa, até que o joelho aponte para o teto.

- Elevação da coxa: na expiração, levantar a coxa, sem perder a posição de 90 graus.

- Queda de joelho: deixar os joelhos caírem para o lado.

- Queda de joelho com propulsão da coxa: levantar a coxa como se fosse chutar a mão contrária.

- Balanço homolateral: deixar que um lado do corpo, leve o outro.

- Alongamento homolateral: torção do corpo.

Todos os movimentos do corpo, sempre eram feitos na expiração.

Ao terminarmos essa parte, começamos a fazer uma exploração cênica dos exercícios técnicos, atravessando de um lado para o outro da sala, em linha reta: com o corpo todo, total; procurando movimentar apenas da cintura para cima; com a parte de baixo; com o lado direito; com o lado esquerdo; e utilizando torções. Algumas vezes caminhávamos ao som da sanfona, tocada por César, e outras ao som do piano, tocado por Marco.

Depois, o Lima pediu para escolhermos duas formas de andar das que foram exploradas. Divididos em duplas, cada um em uma extremidade do tablado, ao nos encontrarmos no meio, pediu que estabelecêssemos interação, e depois seguíssemos individualmente, ainda na diagonal, influenciados pelo movimento do outro.

Foi interessante perceber essa interação, e o quanto esses movimentos sugeriam imagens interessantes, muitas vezes pareciam dança.

O próximo exercício foi feito em trio. Primeiro, Rê, César e Camille, depois Marco, Fernando e eu. Tinham três banquinhos, e o trio ficava sentado, e de olhos fechados. O Lima pediu para que alguém começasse a contar uma história que tivesse acontecido consigo, e se alguma palavra da história lembrasse o outro de alguma história dele, este utilizava a deixa, interrompia a história do outro e começa a contar a sua. Foi bem divertido.

Depois, sentados no chão, em um círculo pequeno, escolhemos um título de uma história, O último beijo, e o lugar onde ela aconteceria, uma barbearia gay. Para contar essa história, cada um só podia falar uma palavra de cada vez, sendo que preposições e artigos eram considerados palavras, e se poderia utilizar ponto final, mas este não era considerado uma palavra. O interessante é que, ao dizer uma palavra, eu tinha em mente uma história que estava tentando construir, porém a pessoa que vinha depois, tinha outro pensamento, e mudava tudo, no entanto, algumas vezes a história corria como todos estavam pensando, eu acho.

O improviso. Rê e César, fizeram uma cena, em que Renata estava em casa, limpando, e César chegava, primeiro como diretor da escola de Marinho, depois como recenseador. Eles tinham que contar um pouco da história do Capitão. Marco e Camille também fizeram uma cena, Marco fez um vendedor de cruzeiros, e depois de tele-sena, que se encanta de forma grotesca pela Camille, que estava limpando uma casa.

O Lima, a partir das cenas apresentadas, falou da importância dos detalhes e texturas de uma cena, do não interromper a ação ao falar, e de criar outras formas de pensar.

O último exercício do dia, foi o “Diálogo no Espaço”. Em duplas, os atores andavam por um espaço determinado, sendo que um ator caminhava de cada vez. O olhar deveria estar voltado para o horizonte, e todo o corpo estar neutro, também só poderiam andar em linhas retas. Eles exploraram as direções, o tempo do caminhar, e a utilização do espaço em relação ao outro. Em alguns momentos a neutralidade e o olhar se perdiam. Para quem estava observando, foi bom perceber o quanto o corpo expressa, diz muita coisa, só por estar no espaço, e que comunica pelo deslocamento. Na última rodada, o Lima foi acrescentando os atores, um a um, até que os quatro interagiram juntos no espaço.

Lima cedeu um tempo para que César e Marco apresentassem algumas ideias sobre como contar a história do Capitão. César apresentou um workshop, sobre utilização de sombras, para representar o encontro de Marinho com ele mesmo criança, quando ao encontrar a concha adulto, voltaram as memórias do seu passado. Para isso, eu e Tililim fizemos uma sequência de ações, pedidas por César, e com o tempo determinado por Marco ao piano. Eu fui a sombra dela, e fiquei atrás do pano. Possibilidades de imagens e ambientações através de sombras.

Marco também apresentou um workshop. Ele trazia numa mão um farol/lanterna, e na outra um fio com um saco plástico branco na extremidade, que girava como sendo as gaivotas. Enquanto isso, narrava um texto que fazia menção à volta do Marinho à trupe, tentando fazer uma relação com o retorno do Santiago após seu peixe ser devorado pelos tubarões. Ao final, um barquinho atravessou a diagonal do palco, arrastado por um fio de nylon e iluminado pela sua própria lanterna, numa imagem bonita. Apesar disso, achei a cena – em especial o texto – um pouco confusa.

Para finalizar o trabalho do dia, muito proveitoso, por sinal, fizemos uma roda, e Lima deu de presente ao grupo, uma pequena Iemanjá, muito bonita. E hoje choveu durante boa parte do ensaio, parece que ela trouxe as águas e as boas energias com ela.