sábado, 20 de junho de 2009

Dos bate-papos, contribuições e trocas

Tivemos hoje o nosso segundo espaço aberto do processo do Capitão, no projeto Barracantes, na nossa sede. Depois da apresentação do exercício criado com o Márcio na semana passada, nessa semana fizemos uma leitura do livro, seguido de uma apreciação crítica pela pesquisadora Danielle Medeiros de Souza, e de um bate-papo.

Diferente das mais de noventa pessoas que lotaram o Barracão no sábado passado, desta vez tivemos apenas cerca de uma dezena, incluindo aí a Paulinha, o Arlindo e a nossa convidada, a Danielle. Apesar desse pequeno quórum, o encontro foi muito bom!

Fizemos uma leitura bem tranquila, e em seguida a Danielle leu sua abordagem da obra do André. Apesar de, ao meu ver, ter sido um tanto elogiosa em excesso - não que o André não o mereça, mas acredito que seria bacana um aprofundamento crítico para levantarmos questões sobre a obra -, a apreciação foi bem interessante e apontou pontos que foram, em seguida, desenvolvidas no bate-papo.

Um ganho que tivemos em relação à semana passada foi um ambiente de debate mais aberto, que é o nosso grande objetivo com esses encontros. Fizemos a avaliação que, na semana passada, por mais bacana que tenha sido, talvez o nível de acabamento espetacular do exercício tenha tolhido um pouco o público de debater ao final. Pareceu aqueles debates pós-espetáculos que estamos acostumados a participar, em que as pessoas perguntam questões sobre o trabalho, o processo, etc. Acontece que, nesse caso, não temos as respostas ainda, estamos imersos nesse processo, precisamos sim é escutar, debater, pôr em dúvida, desequilibrar.

Acredito que alguns fatores favoreceram para que isso acontecesse. Um foi a fala do Marco, no início, lembrando o quão importante pra gente é ouvir as pessoas, pedindo para que eles falassem, se posicionassem. O outro foi a própria conformação da platéia e dos atores, sem uma divisão, como aconteceu na semana passada. A terceira foi a própria quantidade de pessoas, bem mais reduzido, que criou um clima mais intimista no bate-papo. Espero que, pra frente, tenhamos mais gente, mas que consigamos manter esse mesmo nível de contribuição!

Levantamos pontos de discussão bem interessantes sobre a obra do André, que cada vez mais reforça a qualidade literária que ele traz, abrindo diversas possibilidades dialógicas com o leitor.

Caminhemos!

Afinando o Capitão

No finalzinho da manhã, Ronaldo, César e Fernando fizeram a afinação da luz, para o exercício que seria apresentado às 20h. Foi bem rapidinho, já que os refletores já estavam montados.

Mais tarde, de volta à sede, quando entrei, Marco e Camille já estavam brincando com um novo instrumento, o metalofone. Eles dois estavam tocando a segunda parte da música criada por ele em casa. Um som muito bonito. Depois todos foram se chegando, e a Rê pegou o clarinete, César a sanfona, Camille ficou com o metalofone e Marco com a escaleta.

Depois de cada um entender a sua parte, eles tocaram e gravamos esse som! O Fernando deu seu jeitinho e me ajudou a postar aqui a música. É só clicar no “play” aí embaixo:
Clowns de Shakespeare - Tema Capitão e a Sereia

Em seguida, os atores fizeram um aquecimento vocal ao redor do piano, comandado por Marco, já com parte do público presente. Ensaiaram também a canção, que tem como letra a epígrafe do livro do Capitão. Aos poucos as pessoas foram chegando, se acomodando e o exercício começou.

A leitura do texto foi boa, apoiada por sons utilizados em alguns momentos – efeito de mar, sino, “chuá” feito com a boca, triângulo, baião –, sem predominar na leitura, apenas dando-lhe um colorido. Também foram projetadas as ilustrações do livro em um telão. Finalizando o exercício, o autor foi apresentado.

O grupo só conhece o André Neves por conversas por telefone, e-mail e uma foto da última página de seu livro, em que ele está com a mão na testa, meio pensativo. Assim, ao fazer a leitura do texto em que o escritor fala sobre a obra, os atores fizeram o mesmo gesto que ele, com a mão na testa. E a piada deu certo, gerou alguns sorrisos. Aliás, poucos, pois a sede teve um público de umas dez pessoas.

A pesquisadora em literatura e leitura Danielle de Souza trouxe, através de um texto muito bem escrito e até poético, uma apreciação crítica e artística do Capitão. Ela compara o autor a um jovem capitão escritor, e chama atenção por sua dupla habilidade de ilustrar e escrever sem ser redundante.

A linguagem, disse ela, chama atenção para si por suas construções metafóricas, deixando muito a ser construído pelo leitor, uma prosa de caráter cultural forte com fonte na realidade. Danielle também levantou uma pergunta para o público: o encontro com a sereia foi real? Para a pesquisadora, a sereia é o próprio mar, e talvez ela e o capitão tenham se apaixonado um pelo outro. A sereia respeita o Marinho, é a plateia da solidão dele.

Continuando, Danielle citou três passagens. Na página 7, a sombra de Marinho é o mar, a alma do capitão; na página 24, os pés de Marinho sugerem a dúvida, o grande passo que ele dará – para mim, os pés não sugerem dúvida, e sim o desejo de saltar para o oceano tão desejado –; e, na página 29, o olhar da sereia sugere muitas sensações, e eu diria que sugere mistério, assim como o mar. As ilustrações, tão destacadas, trouxeram mensagens e mexeram com os sentidos.

Após a leitura da apreciação crítica feita por Danielle, Fernando situou o público do trabalho que tem sido feito pelo grupo em relação a montagem do Capitão. E assim, o debate começou. Cito abaixo algumas questões que foram levantadas:

1. Entendimento do texto: apesar da leitura tranquila do texto feita pelo grupo, algumas pessoas, como Marcos Martins e Sávio de Luna, disseram que se perderam muitas vezes, e não conseguiram acompanhar o andamento da história. Realmente, a leitura do Capitão e a Sereia não é fácil em um primeiro momento, pois o texto é muito metafórico e descritivo.

2. Sertão x Mar: Fernando falou que o Capitão é uma história do sertão, apesar de ser uma história que fala sobre o mar. Marinho representa e fantasia o mar em suas andanças com a trupe pelo sertão. Para o grupo fica forte a ideia de que, por se passar no sertão, é que o mar ganha tanto significado para Marinho, que sonha com o mundo marítimo.

3. Verticalidade: Marcos Martins falou que gostaria de ver mais os Clowns explorando a verticalidade. A verticalidade que ele se refere, ao meu entender, é uma exploração mais radical do grupo em suas experimentações, diferente do que o grupo tem feito.

4. Distanciamento ou afastamento da ilusão: Fê falou da relação dessa montagem com o afastamento das sensações ilusórias e encantatórias que o livro traz para o leitor. Ele disse que é importante para o grupo que o público perceba que são atores contando aquela história, sem causar ilusões.

5. Resistência do sertão, aspecto político e social: Analwik falou que o texto traz aspectos culturais e sociais fortes, como a riqueza das expressões populares, danças e oralidade. Citou a abundância do mar, e a abundância dessa faceta do sertão.

6. O individual e o coletivo, duas visões: Marinho deixa a trupe. Seria preciso Marinho deixar a trupe em busca do mar, para perceber que ele era feliz no sertão? Nesse momento o debate permeou por um aspecto um tanto filosófico de escolhas do ser humano. Mariana Guimarães falou que era importante para Marinho deixar a sua trupe, e buscar o seu sonho de conhecer o mar, que é importante para ele, como indivíduo pertencente a um coletivo, ter o seu espaço individual, de ser pensante. A partir disso, o grupo colocou que irá contar a história do Capitão a partir da visão da trupe, reconhecendo a importância que as pessoas da trupe tenham seus espaços individuais, pois são pessoas diferentes, e isso fortalece o coletivo. No entanto, não interessa ao grupo fortalecer o pensamento individualista, que está tão presente no mundo contemporâneo, envolto nos princípios neoliberais.

Terminado o debate, ficou o agradecimento às pessoas que estiveram presentes e o desejo de que retornem, para poderem contribuir mais um pouco com esse processo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Oceano de possibilidades

Cena do workshop "O Nascimento do herói"

Esse é o meu primeiro relato do processo de montagem do Capitão e a Sereia. Para mim, é uma grande responsabilidade, por tentar escrever aqui um pouquinho de tudo que se passa dentro do Barracão, e percebo que preciso ir com calma, entendendo o que ocorre nas ondas da equipe, para que eu possa contribuir com esses registros, pois já peguei o bonde andando, e com muita potência!

Aos poucos a tripulação foi chegando para mais um dia de visita ao mundo do Marinho, a princípio cumprimentos, questões administrativas, e um bate bola, como Marco já disse, com direito a mãos, pés, cabeça, caneladas e arremesso da bola para fora da sede, “feito” de Arlindo, algo que gerou muitas risadas.

Aquecidos pela brincadeira com a bola, os quatro atores, Rê, Marco, César e Tili, tomaram seus lugares para iniciar um exercício de match improvisação orientado por Fernando. Em um círculo pequeno, foi definida uma pulsação com o estalar dos dedos, e pedido para que a cada dois estalos, um dos meninos falasse uma palavra que estivesse associada a última, dita pela pessoa a sua esquerda. Ex: bola, futebol, copa, natal, árvore, neve...

O exercício aos poucos foi sendo dominado, mas nem sempre se manteve a pulsação, e algumas vezes eram ditas palavras repetidas e que já tinham passado pelo repertório. Abriu-se mais o círculo. A pulsação é rápida, e o “jogador” precisa estar concentrado e não pensar tanto para dizer a palavra. Para quem estava observando de fora rendeu boas risadas, porque os meninos se divertiam com os erros, ao mesmo tempo que se desesperavam tentando manter a pulsação.

O workshop. A trupe se preparou, pegou os apetrechos de cena, figurinos, e começou o ensaio das quatro cenas que perpassam por diferentes idades do Marinho, do nascimento à busca pelo oceano. Fiquei muito feliz por assistir às cenas, que foram muito imagéticas, simbólicas e tiveram aquela pitada doce de humor dos Clowns. Terminado o ensaio, conversamos sobre as nossas impressões e, ditas as sugestões, repetiu-se novamente as cenas, em busca dos ajustes. Foi bem melhor, pois aos poucos os meninos vão dominando e vendo possibilidades de criação.

O último trabalho do dia foi a leitura do livro Capitão e a Sereia. O exercício pedido por Fernando foi contar a história do Marinho, com o livro nas mãos, mostrar ao público a história que o André Neves escreveu, sem colocar nesse momento as percepções do ator, apenas fazer a leitura de uma boa história.

Iniciada a leitura, Fernando fez algumas orientações, pedindo para César e Camille darem mais clareza e entendimento em algumas palavras, e para Marco e Renata, menos floreio. Também sugeriu que percebessem qual as palavras que precisavam ser enfatizadas, e que fizessem isso, olhando para o público. O que percebi vendo esse exercício foi que o olhar é uma cumplicidade do leitor com o público e, como Fernando disse, ele precisa ter o momento certo, e ser preciso, passar segurança. Outra coisa que me chamou atenção, foi perceber que enquanto os atores liam olhando para o livro, ia me dando tempo para imaginar a história, e quando olhavam no momento certo para o público, não quebrava o andamento da leitura. Porém, quando tinha quebra demais, com olhares, começava a me perder da história.

Nesse meio tempo, Ronaldo ou Ronélllldo (tristinho porque o São Paulo foi eliminado, rsrssr!) chegou a sede. Quando acabou a leitura, sentamos todos, e Fê fez uma proposta de “arrumação” da leitura, e conversou rapidinho sobre a afinação da luz.

A proposta foi fazer um quadrado com cadeiras, e que nas pontas, estivessem bancos em que os atores sentariam para ler a história. Entre outras questões, surge a dúvida: como terminar a leitura? E Tililim deu a ideia: fechamos o livro! Eu gostei, simples assim!

Depois da conversa, o ensaio da leitura! Uma música cantada pelos atores ao redor do piano, tocado por Marco, depois cada um segue para o seu lugar, e Renata apresenta o texto que irá ser lido.

Marco definiu, lendo o texto, em quais momentos haveria a utilização de sons. Todos foram para os seus lugares, e tiveram a ideia de colocar um aquário na frente de cada banco, um signo referente a história de Marinho. Assim, repetiram a leitura, e para casa ficou o trabalho de ler novamente o texto.

Durante as arrumações de cena, sentado numa cadeira, Marco brincando, tocando a escaleta, criou uma melodia muita bonita. Encantado com ela, já no finalzinho da noite, hora de ir para casa, ficou tocando para não esquecer, e César o acompanhou com o som de sua sanfona.

E aos poucos, cada um foi indo para sua casa, eu embalada pela melodia e – penso eu – os meninos inundados pelo oceano de possibilidades que se cria a cada dia!

O cântico dos cantos

São 21h12min. Após um rápido banho, necessário depois de um longo e produtivo dia de trabalho, cá estou diante das palavras e lembranças. Começa agora a briga entre os dedos que digitam e a cabeça que não para. “Içar velas!!” Tudo parece urgente agora. Sinto-me como a própria barcaça-geringonça que invade a cidade subindo pelo rio, mar adentro, descrita pelo André. Sou o mar revolto turbilhando idéias, quase afogado em meus pensamentos. “Levantar âncora!!!” Calma. Respiro. 1...2...3...Shhhhhhhhhhhh, Tim tim tim, Póóóóóóónnnnnnnn!!! Tudo ao mesmo tempo agora. Inspiro.

Depois de receber a nossa nova tripulante, Paulinha, que fará os registros diários do nosso processo, botamos o time em campo (literalmente, com direito a bola, pés, mãos e muita risada) e começamos retomando o trabalho de ontem. Ligar numa sequência dramatúrgica quatro cenas que levantamos durante essas duas semanas de exploração. Dentre perdas e ganhos, surgem caminhos bem interessantes para o momento que desenha a infância do nosso Capitão Marinho. Temos nos divertido muito.

Acabo de receber um telefonema de Barbosa sobre os cajons que pretendemos ter como um dos instrumentos a ser experimentado em cena. Amanhã irei ver uns já prontos de um luthier que mora em Ponta Negra. Tomara que dê certo. Precisamos ter tudo sempre a mão, independente do resultado. É hora de testar, esgotar possibilidades. Colocar na prática aquilo que ainda está somente no campo dos desejos imaginados.

Aos poucos alguns elementos sonoros começam a ganhar força e voz presente nos exercícios e workshops feitos até aqui. O mar, instrumento de efeito que temos usado bastante é um deles. O pin, será substituído por sinos de tamanhos diferentes e que cumpram esse mesmo papel. Pausa....................................................................

O cheiro da canela que vem da cozinha invade meu quarto, onde estou agora. Inspiro,
t r a n q u i l a m e n t e.

Agora, só as marolinhas quebram por aqui. Um mar calmo. Calma. Expiro. Como. Volto. Sim, foi rápido, apesar de calmo. Calmo e urgente. Um repertório de sons, melodias, ruídos, canções inéditas ou não, começa a se formar diante de nós. Assim, quase como sem se sentir. É engraçado isso. Cada coisa no seu tempo. E hoje, enquanto estruturávamos o formato da leitura que faremos amanhã no Barracantes, testando algumas intervenções sonoras, no momento em que é narrada a aparição da sereia, propus uma melodia na escaleta que pudesse sugerir o canto encantatório desta criatura. Tsc tsc tsc. Pobre de mim. Fui vítima de tal canto. Acho que surgiu algo que pode se desdobrar de várias maneiras. Esse instrumento possibilita de maneira simples e de fácil execução caminhos cênicos muito variados, podendo ser executado por qualquer um de nós. Desde ontem a escaleta apontou essa versatilidade, hora como som, hora como concha do mar.

Já passava das 20h quando, aos poucos a tripulação se dispersou. Ainda embalado pela nova melodia, poderia passar o resto da noite ali, tocando e experimentando outras coisas. Brincando com esse tema musical. Virando e revirando de todas as maneiras. Ok, eu sei. É preciso ter calma. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! Nem mesmo as propostas de workshops extra-oficiais (não solicitados pelo Japa, mas sim por mim e pelo Cesar) que havíamos planejado pra hoje tiveram tempo pra acontecer. Gravamos no celular o “cântico dos cânticos” pra não corrermos o risco de esquecer. Ha ha ha ha ha... isso será quase impossível. Como é? Por enquanto só posso dizer que eu tô achando lindo! Feliz demais por hoje.

Ah, e que é em Re menor, tá?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Além do mar

Na quinta feira (18/06) iniciamos os trabalhos com a condução de Sávio de Luna, continuando as nossas aulas do contato improvisação. Trabalhamos a busca pela corporeidade dos seres aquáticos, dando continuidade aos estímulos do encontro passado. O movimento partia da coluna irradiando para as extremidades do corpo, buscando inicialmente a movimentação das algas. Em seguida ainda dentro do universo aquático trabalhamos o desmoronar e remontar (descer e subir) gastando o mínimo de esforço. Conversamos muito sobre as possibilidades do contato entre os diversos seres aquáticos. Enquanto um é alga o outro é peixe. Um é polvo o outro é tartaruga. Exercício que provavelmente será trabalhado no próximo encontro. É incrível como que naturalmente este trabalho está caminhando para o Capitão.

Em seguida, Fernando nos solicitou para que em 30 minutos desenvolvêssemos em duplas (Camille e Marco/ Renata e César) um workshop sobre a passagem da concha de pai para filho (a concha de Marinho).
Renata e César(Histórias para ninar) – Utilizando o sofá azul como berço e o case preto como baú, o bebê Marinho acordava o seu pai no meio da noite aos berros. Este por sua vez tentava acalmar seu filho contando histórias utilizando elementos retirados do baú. Mas nada o consolava, exceto quando o pai lhe apresenta a concha que foi retirada do fundo do baú, no qual continha histórias fantásticas. A cena foi conduzida pelo César que contava como o pai fazia para acalmar seu filho, ou seja, não era o personagem, era uma contação. O Bebê feito por mim estabelecia o jogo da cena através da variação do choro e das movimentações de braços e pernas que apareciam pelo berço. Meio que inconscientemente criamos uma cena que estabelecia relação com a cena do nascimento do herói.
Camille e Marco(O embarque do pai) – Utilizando o mesmo case preto a dupla opta por uma cena sem fala o que a torna muito interessante. Marco entra no case que é fechado em seguida. Camille o empurra até o local da cena. De dentro do case ouve-se uma música, onde a medida em que é aberto percebe-se um pé balançando e uma escaleta sendo tocada por Marco que não aparece ao público. Percebo que este representa o pai que entrega a escaleta (representando a concha) e o seu chapéu para o Marinho e que desaparece desmoronando como um morto. O filho fecha o baú e sai tentando tocar a mesma música.
Diante dos meus olhos vi o case sendo concha que depois virou caixão. A escaleta que vira a concha. A herança que é passada de pai para filho. Uma cena bastante simples e poética.
Analisamos as cenas e partimos para o exercício de uni-las a mais outras duas criadas anteriormente. Desenvolvemos a união das cenas 1- O nascimento do herói, 2- Histórias para ninar, 3- O embarque do pai, 4- Marinho e sua concha.
As cenas aconteciam nos vértices da sala e a platéia se posicionava ao centro.
Devido ao tempo a execução ficou para o dia seguinte, porém o desejo era de continuar trabalhando. Gosto muito quando somos envolvidos pela criação. Nos divertimos muito e as idéias surgem com uma facilidade. É impressionante o quanto conseguimos dialogar, propor e não se apegar as idéias, ou seja, ouvir os companheiros.

A Novidade

O trabalho começou com o treinamento de Contato Improvisação com o mestre Sávio de Luna, que tem ampliado o alcance do trabalho para movimentações ligadas ao mar, como relatei anteriormente. Hoje não acompanhei o trabalho, parte por ter chegado depois - por estar viajando por Brasília e São Paulo desde ontem - e parte por, após chegar com o trabalho iniciado, preferi ficar no escritório resolvendo questões administrativas do grupo. Fui chamado ao final do trabalho pelos meninos para acertarmos a agenda da próxima semana com o Sávio, e eles aproveitaram para relatar o trabalho que tinham acabado de fazer: explorar a movimentação de seres do mar. Definimos que semana que vem só trabalharemos na quinta, e desde já encumbi os cinco (Sávio e atores) a preparar um workshop: montar um aquário. A idéia não é elaborar uma cena com uma dramaturgia, etc, mas pensar nestes seres, e numa relação de foco para a platéia. Vão preparar o trabalho para a outra semana, que o Hélder estará aqui.

Em seguida, pedi para, em duplas, eles prepararem uma cena: o dia em que o menino Marinho recebeu a concha do seu pai. Mais uma vez, materiais muito ricos foram apresentados.

O César e a Renata usaram as costas do sofá do Barracão como um berço, que a platéia não conseguia enxergar. O César surgiu por trás do berço - numa referência à aparição dele no workshop do "Nascimento do herói" (quando ele surgia por trás do pano na hora do parto) - como um pai/narrador acordado no meio da madrugada pelo choro do Marinho Bebê, comentando com a platéia como o Marinho tem dificuldade em dormir. A Rê, como o bebê, aparecia apenas com as pernas e as mãos, e chorava, chorava muito! Então, após tentar dar mamadeira (que parava um pouquinho de chorar, e continuava em seguida), o pai abriu seu "baú de histórias" e começou a tirar objetos e, a cada objeto, ia contando uma história ao pequeno Marinho, que se satisfazia parcialmente, e voltava sempre a chorar. Até a um livro d'O Capitão e a Sereia o pai recorreu, dizendo que o Marinho adorava "as histórias do André Neves", mas surtiu o mesmo efeito. Por fim, ele tira a concha do baú, e o menino pegou para ouvir, e foi acalmando-se. Num final um tanto trapalhões, a cena acaba com o bebê, já calmo, fazendo xixi na cara do pai. Rsrs...

A cena da Camille e do Marco não recorreu ao texto, coisa rara nesses tempos de descoberta da narração que estamos passando. Eles levaram mais à risca o que pedi, trabalhando o exato momento em que o Marinho "herda" a concha. Na cena deles, o Marinho criança traz o case para próximo da platéia, e uma música surge de dentro. É uma pequena parte de "A Novidade", do Gil e Paralamas, que já tínhamos comentado antes, e que eu havia pedido pro Marco pensar num arranjo para trabalhar com os meninos. Como o Marco é muito antenado (e um tarado por criação), já aproveitou para experimentar. Usando a escaleta, trouxe aquele "u-u-u-u-u-u-u, a-aaaaa!!!!" que o Gil canta na versão acústica da música. O baú se abriu e só conseguíamos ver os pezinhos do pai do Marinho balançando, enquanto tocava e se divertia com a música, tocada numa levada blues. Após parar de tocar, o pai entrega a escaleta/concha para o seu filho, e morre repentinamente, quase comicamente (ou seria comicamente mesmo?), como se fosse um ataque fulminante, e então o jovem herói fecha o (agora) caixão, coloca o instrumento de efeito de mar sobre o túmulo e sai tocando a música na sua concha, para longe da platéia. Cena de muita poesia.

Na avaliação, levantamos algumas questões importantes. A não-utilização da fala foi uma delas. A questão da narração/dialetização, como já vem se tornando recorrente, outra. Tivemos também uma excelente conversa sobre a utilização dos signos nas cenas e o fato da platéia, nestes exercícios (eu, Gabriela, Arlindo), já estar pactua a priori, uma vez que já sabe do que se trata a cena e, principalmente, já vem envolvida com o processo desde o início. Precisamos trabalhar levando em consideração um público que não tem esse processo inicial!

Na avaliação, conversamos algumas coisas interessantes sobre a cenografia. Além de algumas funções que o "carro-barco", ou "barco com rodas" já vem ganhando (ter um teclado, caber uma pessoa dentro, suportar o peso de pessoas sobre ele), também expus que vejo, hoje, um acabamento muito improvisado, coisas aparentes, amarrações, nada próximo a aquela estética "popular chic". Uma chave bacana que surgiu foi o termo geringonça para o nosso veículo que, depois, vi que é usado pelo André no livro.

Como havia conversado com os meninos no início do trabalho, precisamos trazer e organizar todos os elementos cênicos que já temos acumulado nessas duas semanas: varas, anzóis, aquários, iscas, tecidos, bacias, etc. Vamos tentar fazer isso em breve.

Depois, propus uma dinâmica um pouco diferente do que estamos fazendo até agora: um workshop coletivo (feito pelos quatro), e com um acompanhamento/interferência mais diretos da minha parte. A idéia é criar uma costura entre quatro cenas que representem momentos da infância do Marinho: o nascimento (cena "O Nascimento do Herói", feita pelo César e Renata na semana passada, para o Márcio), o bebê (esta cena de hoje), a criança que perde o pai (cena de hoje da Camille e Marco) e, por fim, o Marinho sozinho no mundo, descobrindo a beleza do universo marinho (que é a cena da Camille com o Lucy in the Sky with Diamonds, que foi usada no Barracantes da semana passada).

Não conseguimos chegar até o fim, mas já levantamos boa parte da cena, para apresentar amanhã. Propus uma quebra da relação espacial frontal, como os meninos já estavam propensos a usar, para uma estrutura em quatro estações, com o público ao centro. Amanhã retomaremos a partir daí, para finalizar a elaboração e apresentar.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Farol

20:30h. Todos já tinham zarpado, sobrou apenas eu e Ronaldo, nosso velho e fiel faroleiro. Perduramo-nos um pouco mais na tentativa de viabilizar alguns experimentos onde a luz acabou se colocando claramente como elemento organizador da narrativa.

Essa história toda começa em um filme que assisti no domingo chamado “Rumba” (2008 - França / Bélgica). Na película, em uma determinada cena, o casal Fiona e Dom são poeticamente contrastados por suas sombras que, ironicamente, começam a dançar rumba enquanto os mesmos estão prostrados.

Percebi que essa poderia ser uma possível inspiração para uma cena que se coloca como desafio em nossa narrativa: representar teatralmente a magnitude do encontro de marinho com o universo marítimo. Pensei que com o advento do jogo de luz e sombra poderíamos ter alguma chance de êxito.

Contei minha idéia a Ronaldo e disse: “Como iluminador, duvido você conseguir fazer isso”. Pronto, acertei o homem no meio dos seus brios.

Por fim, saímos da sede agora a pouco e deixamos tudo engatilhado para amanhã mostrarmos ao resto da marujada. Espero que tenha alguma utilidade.

...---...

Três pontinhos, três traços, e mais uma vez, três pontinhos. Em código morse significa S.O.S. Oralmente diz-se "dit dit dit dah dah dah dit dit dit".

Este sinal foi inicialmente adaptado pelo governo alemão nas regulamentações de rádio em 1 de Abril de 1905, e passou a ser um padrão mundial quando foi aceito na segunda International Radiotelegraphic Convention, firmada em 3 de Novembro de 1906 e tornando-se efetiva em 1 de Julho de 1908.

Diferente do que muitos pensam, SOS, não tem nenhuma relação com os dizeres Save our Souls ou Save our Ship, no bom português “salve nossas almas” ou, em um sentido mais amplo, “salve nossas vidas”. A verdadeira justificativa da sigla é o fato da combinação (três pontos, seguidos de três traços e seguidos de três pontos) ser facilmente reconhecível numa transmissão em código morse, mesmo com interferências.

Isso tudo só para falar:

SOS, não estou conseguindo acompanhar o ritmo desse diário. É muita coisa acontecendo e pouco tempo para escrever. Cambio, desligo...

terça-feira, 16 de junho de 2009

Em duplas

Nesta terça feira, realizamos mais workshops relacionados com o Texto “O velho e o mar”. A partir das cenas já criadas por cada ator, Fernando nos pediu que em duplas (Camille e César/ Marco e Renata) criássemos uma nova proposta a partir desta união.
Chegando cedo ao Barracão para executar alguns ajustes da nossa cena (Renata e Marco), quando sai do escritório indo para a sala de trabalho fui surpreendida com uma imagem que por si só falava muito. O mesmo rolo de barbante branco que Marco estava utilizando para a nossa cena, inspirou César a criar no chão as figuras do mar, do barco, do grande peixe, e meio que estávamos os quatro colaborando para a cena. A idéia foi de enquanto um contava a história de Santiago o outro desconstruía a imagem de forma que tivesse conexão com o que estava sendo dito. Para mim a imagem suscitou mais do que a própria execução.
A outra cena. Eu narrava a história de Santiago enquanto Marco em certo momento assumia o papel do peixe sendo fisgado mas que na verdade eu que fui fisgada e que no momento em que os tubarões aparecem, Marco assume esse papel e eu tornando-me peixe sou devorada pelos tubarões mantendo a contação sem me alterar. Ao final da cena, despida (metáfora em ser devorada pelos tubarões), me deparo com uma grande espinha de peixe pendurada na escada ao fundo da cena. A espinha foi feita por cabides de roupas presos um ao outro com barbantes.
Avaliamos as cenas e refizemos a partir das observações. Estavam presentes Ronaldo e Gabriela que estão acompanhando bem de perto esse momento de experimentações, criações e investigação. Momento em que tudo é válido. Todas as idéias são bem vindas.

Dramin

Na ressaca indicada pelo Marco, hoje começamos o trabalho com nossa aula de Contato Improvisação, conduzido pelo grande Sávio de Luna, que é um trabalho corporal permanente do grupo há alguns meses. Inspirado pela apresentação do exercício do Márcio Marciano, e alimentado pelo conteúdo deste diário, o Sávio propôs dinâmicas inspiradas na água e no mar. Foi uma primeira aproximação a esse diálogo do Contato com essa inspiração aquática/marítima, e o resultado foi interessante. É muito bom ver como o Sávio é antenado à nossa prática, se transformando e propondo em cima do vasto conhecimento que já tem. A parte engraçada do dia foi que, após um primeiro momento explorando o vai-e-vem das ondas, eu, a Camille e a Rê acabamos o trabalho enjoados!!!! Rsrs... Comigo a coisa foi tão grave que nem continuei no trabalho!

Depois disso, tivemos uma reunião para acertar algumas questões administrativas, ajustar a produção do Capitão e, principalmente, fazer uma avaliação da primeira semana de trabalho e projetar o que vem pela frente. Ainda estamos muito mexidos com os crescimentos individuais que essa semana trouxe, e a conversa foi muito boa. Reforçamos essa questão da dialetização do olhar, da tranquilidade da cena, da eliminação desta tensão ator-público que esta prática de ensaios abertos deve nos trazer, dentre outras coisas.

E amanhã temos a segunda edição dos workshops d'O Velho e o Mar, desta vez em duplas.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ressaca

Ressaca é, originalmente, o movimento anormalmente das ondas do mar sobre si mesmas na área de arrebentação, causada por rápidas e violentas mudanças climáticas.
Por extensão de sentido, denomina-se "ressaca", o conjunto de efeitos fisiológicos da ingestão exacerbada de bebidas alcoólicas. (Fonte Wikipédia)


Nada melhor que isso pra explicar tamanho sentimento nesse dia que encerra essa primeira semana de trabalho. Fico mais uma vez com as duas opções. É de fato, um momento de experimentar tudo, e não fechar nada. Uma espécie de embreaguez bem-vinda, sabe? Principalmente quando se tem o respeito a regra: "se beber não dirija". O japonês está dirigindo por nós. Bebamos, nesse caso, sem moderação. Lucy in the sky... As certezas que se apontam a nossa frente não passam de dúvidas felizes. Começamos bem. Resignificação do espaço, do estar em cena, do grupo. Talvez essa seja uma sensação muito mais internamente nossa do que algo visível para o público, que compareceu belamente na abertura do projeto Barracantes. Mas certamente, em breve, muito breve, esse jogo ficará mais claro para os que acompanharem esse nosso processo.


Me senti diferente como ator nesses dias de busca. Uma das coisas que mais ficarão registradas (eu disse "reGistradas") desse trabalho com o Márcio, foi a dialetização do olhar na criação da cena, o nó do ator-narrador que me fez saborear e experimentar um sabor de atuação jamais sentido antes. O que parece mais fácil, executadoi com menos esforço, é o que se coloca como o mais difícil nesse momento de descobertas e buscas. Muito bom sentir-me assim, surpreendido. Quero mais.

Mais que mil palavras

Como o Pablo Pinheiro, nosso fiel escudeiro fotográfico, já se cadastrou no blog, mas ainda não postou as primeiras imagens que fez nas duas sessões que acompanhou, vou colocar um pequeno aperitivo, para ver se ele se anima... Apreciem!




domingo, 14 de junho de 2009

Fiat Lux

Nesse sábado, como bem descreveu o Fernando, montamos pela primeira vez a luz no barracão Clowns. Nos referir a essa passagem com tanto desprendimento, pode parecer, a princípio, mais uma conquista natural do Grupo, contudo digo-lhes com propriedade caros leitores, lutamos muito para chegar nessa condição de se ter um equipamento básico de iluminação em nosso espaço.

O episódio para mim é um “marco” (aguentar ele depois de ler isso vai ser fogo!), pois concretiza alguns aspectos referentes à construção da luz nos processos criativos que há muito estamos discutindo em conjunto com o grupo, tais como: trabalhar a iluminação em concomitância e mutuamente a construção de outros elementos cênicos; autonomia para experimentar feitos de iluminação nas cenas, aprimorar a percepção e o posicionamento dos atores em relação à luz; descobrir o ritmo de entradas e saídas de efeitos de luz do material cênico levantado; utilizar a iluminação como mais uma possibilidade de matriz criativa do ator, etc, etc, etc...

Essa nova realidade não assegura que tenhamos um resultado estético maravilhoso para a luz do espetáculo, no entanto, já podemos falar que sua iluminação encontra-se em processo! (SEMPRE QUIS FALAR ISSO). Apesar da felicidade, não podemos deixar de comentar um triste contexto, são poucos os grupos de teatro do Brasil - para não falar quase nenhum - que possuem uma condição financeira de manter um equipamento de luz durante o processo criativo. Infelizmente somos uma excessão a regra, pois o movimento de teatro de grupo brasileiro esta a margem do mercantilismo das grandes produções artísticas e ainda tem que conviver com a falta de políticas sérias para a cultura. Fomento e incentivo não devem ser uma contingência do estado e sim uma obrigação, a arte é um bem inexorável da humanidade. Clamamos e lutamos por condições dignas de trabalho para os grupos de teatro brasileiros, sobretudo do nordeste, por isso não devemos perder a perspectiva política de tudo isso!