sábado, 4 de julho de 2009

O mundo da roda gira e eu viro o mundo ao rodar...

Hoje tivemos um dos dias mais bonitos da história de um ano e meio do Barracão.

Começamos o dia dando uma geral no espaço para receber os parceiros do Ser Tão Teatro, grupo paraibano com quem vamos compartilhar uma montagem logo após finalizar a temporada de estreia do Capitão. Eles vieram justamente para fazermos os últimos acertos de produção, calendário, etc. Apenas a diretora, a Christina Streva, e uma das atrizes, a Isadora, conheciam o espaço. Os demais conheceram agora. Almoçamos todos juntos e fizemos uma boa reunião, com leitura do primeiro ato do texto que vamos trabalhar, A Farsa da Boa Preguiça, do Ariano Suassuna. A leitura foi bem divertida, é sempre bom estar em troca com outros criadores.

Durante a tarde, enquanto líamos e nos reuníamos, foi muito marcante ver o Ronaldo e o Helder montando a luz no tablado concomitantemente, com a ajuda do Alex, do Pessoal do Tarará, de Mossoró. Assim como eles, essa semana do Rafael Martins, nosso dramaturgo cearense, e o Rafa Telles, produtor, também andaram por essas bandas, fora a Paulinha, a Gaby, o Cuca e o Arlindo, tripulantes permanentes do barco. Em determinado momento, durante um intervalo, parei pra pensar nessas tantas pessoas, colaboradoras e parceiras de tantos lugares diferentes, além dos que já passaram, e os que ainda vão chegar, como o Lima, o Márcio, a Wanda, a Mona, o André, a Adelvane, o Pablo, o Latão, etc, etc, etc, etc. Tem sido um processo muito rico, refletindo um momento muito feliz pra nós.

Ronaldo mandando ver na afinação de luz. Fotos: Maurício Rêgo.

Espaço quase pronto.







Antes da noite tão especial que tivemos, um minuto de silêncio: uma hora antes do espetáculo, eu fiz a proeza de queimar nossa mesa nova de som, que seria estreada oficialmente em seguida... Sem comentários...

À noite, um episódio à parte. Mais de 150 pessoas no Barracão para assistir o Espiral Brinquedo Meu, do Helder. A casa muito cheia, o espetáculo lindo, as pessoas super envolvidas, realmente uma amostra grátis do que poderá ser nossa temporada aqui no Barracão.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Nacional de Patos

Quando cheguei ao Barracão, Rê, César, Camille e Marco estavam cantando músicas para um workshop que Marco havia pensado, e ajeitando alguns adereços. Gabriela trouxe chapéus e bonecos de dedos que Marco tinha pedido, inspirados nas ilustrações do livro do Capitão e a Sereia. Fez um trabalho muito bonito!

Depois disso, Helder conversou sobre o que a gente iria trabalhar, pediu que explorássemos um fazer, e disse que daríamos uma geral em tudo!

Cada um foi para um lugar do tablado, deitou-se no chão, e a partir daí buscou a pulsação interna. Aos poucos fomos ficando de pé, mantendo a pulsação, e depois trabalhando com os parâmetros, e às vezes se permitindo sair do trilho. Depois de um tempo, Helder entregou um instrumento para cada pessoa, e começamos a tocar, e perceber como é se movimentar, como é esse jeito de fazer usando um instrumento.

Cantamos toadas, brincamos, fizemos uma roda, dançamos, e criamos rimas, algumas bem “baixas”, por sinal! Bom demais!!!!

E para completar o dia jogamos uma peladinha, eu e Helder contra Marco e Fernando! Nacional de Patos x Íbis!!! Foram três partidas, na primeira o timeco do Íbis ganhou, na segunda, dá-lhe Nacional de Patos e, na terceira, após muita robalheira do Íbis, o Nacional resistiu fortemente e levou a melhor! Rsrsrs...

Casualidade criativa!!

Costumo chamar de casualidade criativa aquela idéia ou solução que surge ao acaso, sem que seja pensada e estruturada previamente, e que acaba por ser incorporada ao resultado final da obra.

Logo após o término do ensaio geral do experimento de João Lima no sábado passado, fiquei aperfeiçoando alguns efeitos de luz, como sempre faço quando estou no período de descobertas, quando de repente o João gritou: Ronaldo, você viu isso! Em um súbito momento, Tililim se posicionou de pé atrás do aquário do Marin, ao centro do tablado, que estava sendo iluminado por 2 pimbins (pequenos refletores). A reflexão da luz na água em movimento, naquele determinado ângulo dos refletores, projetou no rosto da criaaaaannçççaa um efeito tremeluzente que se parece com aquele que é projetado em paredes próximas a piscinas iluminadas pela luz do sol.

Prontamente João disse: quero esse efeito no experimento! Rapidamente nos colocamos a organizar como faríamos para executar a idéia, marcando o lugar exato de posicionamento, ajustando o encadeamento de ações da Tililim e a operação de luz que eu deveria executar até que aparecesse o tal efeito luminoso. Na apresentação... lá estava ele, iluminando o rosto da querida criaaannnçççaa!!

Só para registrar...

05:37 da manhã, e eu ainda aqui. Não disse, Fernando? Está mesmo iniciada a fase da loucura. Agora vou dormir para não cair duro na hora que o Hélder começar a puxar. rsrs...

Marco, parceiro! Por favor, me acorda, ok?

Primeiros versos...

Na terça-feira passada (30 de junho) fiz uma primeira letra, baseada no que imagino ter a cara do que vocês estão criando. Como foi a primeiríssima coisa escrita, vem carregada de suposições, daí a importância de postar e debater. Além, obviamente, da intenção de documentar.

A letra seria um alerta da trupe ao Capitão, quando os integrantes percebem sua apatia no trabalho, seus devaneios e sua crescente tendência a “abandonar o barco”. Por isso os versos exaltam o trabalho em detrimento da ilusão. Falam de firmeza, resistência, colaboração.

É muito direta, objetiva. Imperativa, até. A métrica e as sílabas tônicas impõem uma pulsação forte, enérgica, constante como uma marcha. E mesmo sem enfeitar, busquei ser sonoro.

Marco, na noite de terça, me mostrou uma cena do filme Moby Dick (baseado no romance clássico de Herman Melville). Devido a isso, pensei na trupe içando velas e cantando esta letra enquanto Marinho ficaria ali por perto, só divagando. Ao final o barco seguiria e Marinho decidiria ficar, oferecendo assim uma imagem diferente do livro, onde Marinho parece ir, e a trupe parece ficar.

Neste caso, quem pareceria estar em movimento (seguindo adiante em todos os sentidos) seria a trupe. São tentavivas minhas de refazer o olhar sobre a estória. Não sei se chega a ser a tal da “dialetização do olhar”, que ainda estou assimilando. Mas estou na tentativa, ok?

Enfim... Apenas sugestões e ideias para alimentar nossa empolgação.


- SEJA FIRME, CAPITÃO -

Seja firme, Capitão!
No convés da embarcação
Seja firme, Capitão!
Tudo o mais é ilusão

Seja firme, Capitão
Afrontando a calmaria
Pois aqui, com pés no chão
É que nosso mar se cria

Não espere paciente
Outra onda que te ocupe
Mude tudo com a gente
Surpreenda a sua trupe

Acredite na barcaça
Navegando com bravura
Quando a dança descompassa
Resistir é aventura

Colabore, não piore
Nem oscile como a onda
Não ancore nem se escore
Nunca fuja nem se esconda

Seja firme, Capitão!
No convés da embarcação
Seja firme, Capitão!
Tudo o mais é ilusão

Vídeo sobre Cavalo Marinho

No Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=5VwBeNHdrww

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Fuá na casa dos Clowns

Começamos o trabalho pelo Contact Improvisation, que teve a participação especial dos convidados Helder e Rafael Martins. O Sávio explorou algumas movimentações a partir da segmentação, depois em movimentos circulares e, por fim, movimentos staccato. Tudo isso foi uma livre homenagem ao Michael Jackson, que morreu na semana passada, e gerou um desejo por parte dele de fazer essa exploração de uma movimentação que sugerisse algumas características da sua corporeidade. Foi bem engraçado, e produtivo. Depois, o Sávio ainda soltou um Billie Jean para improvisarmos, o que gerou ainda mais risos, mas foi bem bacana. Em seguida, o trabalho foi ampliado para duplas. Enquanto trabalhávamos, o Sávio ia passando de dupla em dupla e interagia um pouco em trio. Além de trocar de duplas uma vez, ele também inseriu a possibilidade de contato de superfície e, depois, de peso e contrapeso. Por fim, foi dado dez minutos para que, individualmente, cada um explorasse individualmente toda a movimentação que tínhamos trabalhado até então, para fazermos uma jam a partir de duplas que o Sávio foi indicando. O trabalho foi bem produtivo. Bom ver o Rafa trabalhando com a Renata, ver a cumplicidade corporal que o César e o Marco já desenvolveram com esses meses de Contact, e a Paulinha super inserida no trabalho com a Tililim. Eu trabalhei com o Helder, e fizemos uma improvisação muito legal, misturando os elementos do CI com a pulsação e movimentação que estamos trabalhando com ele. Foi surpreendente pra mim fazer o trabalho que já fazemos há algum tempo no CI com uma “cara” diferente, mais dinâmica, menos pensada, e menos lenta. Possibilidades que se abrem...




Tivemos uma boa conversa em seguida para avaliar o trabalho, que continuou um pouquinho mesmo depois da saída do Sávio.

Durante o intervalo, o Marco e o Helder começaram a brincar com o acordeom e o piano, como costumeiramente têm feito nas horas de folga. O Rafa Martins rapidamente pegou o pandeiro e juntou-se a eles. Aos poucos, todos fomos chegando. Quando menos percebemos, estávamos quase todos tocando. Não acreditei quando me vi tocando e cantando “Fuá na Casa de Cabral” junto com Helder Vasconcelos, do Mestre Ambrósio!!! Fiquei realmente emocionado, de verdade!


O Helder muito habilmente aproveitou que todos começavam a se envolver com a música – ele no acordeom, Marco no piano (e depois no pandeiro), eu nos caxixis, Renata na baje, Tili com as claves, César com a zabumba e os demais (inclusive o Rafa Martins e a Gabriela) na palma – e puxou todos para o centro da sala, e começou a cantar, tocar e rodar. A partir de então, foi puxando cada vez mais, todos se envolvendo, quase em transe (rsrs), dançando, tocando e cantando muito, e quando menos percebemos tínhamos acessado o mesmo estado de jogo/pulsação. Golpe de mestre do Mestre Helder Ambrósio!!!!


Ao final, exaustos e bem felizes, decidimos levar à sério a provocação/brincadeira do Marco, e combinamos seguir para meu prédio pra tomar um banho de piscina, e depois assistir ao DVD do Cavalo Marinho Estrela de Ouro. No entanto, como o Helder teria que dar uma entrevista para o “Solto na Cidade”, e estava esperando o repórter, acabamos abortando a piscina, mas mantendo o DVD.

Viemos ao meu apartamento, ficamos conversando sobre muitas coisas, curtindo o momento de interação social, que tivemos pouca oportunidade durante a semana. Pedimos pastéis – que chegaram moles e empapados em óleo – mas nos divertimos bastante. Vimos várias fotos que o Cuca fez do processo até agora, o Helder também mostrou fotos do Cavalo Marinho e, por fim, assistimos o DVD, com comentários Helder explicando cada momento da brincadeira.

E só falta um diazinho... E a saudade de "pinotar" já batendo...

Amaciando a madeira

"Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão..."

Pobres batatas. Quais? Das pernas, das minhas, das nossas. Trabalhando já há três dias com o Mestre Helder, o nosso Capitão nessa "empeleita" rumo aos caminhos e ao universo do Cavalo-Marinho, eis que percebo que nasce uma batata. A da perna. Não sabia que tinha uma, digo, duas.

Acho que depois de um ano e meio de uso no nosso espaço, finalmente agora, nessa semana de trabalho, o chão, o tablado, área de trabalho foi amaciado. Na base do pisão, é claro. E o pulso ainda pulsa. E também foi a semana de estreia do nosso som. E que som! Havíamos comprado pós Fábulas na Escola e só agora, depois de termos ficado na mão com o som que usávamos pra tudo e que, aparentemente queimou algo, deu o ar, ou melhor, o som das graças. Graves, médios e agudos na medida certa. Quem for esse sábado para ver o ESPIRAL BRINQUEDO MEU, espetáculo do Helder e que será a atração do Barracantes do dia 4 de julho, ouvirá essa beleza funcionando. Bom, eu acho lindo!!

Das terras do Cavalo-Marinho e do Maracatu, vieram na bagagem do incansável Helder os nossos efeitos de mar que compramos à distância, do luthier Abílio, onde já tivemos o prazer de conhecer seus instrumentos e adiquirir alguns deles desde o primeiro contato musical, na montagem do Muito Barulho, em 2003. Hoje a tarde, com dois dias de atraso, finalmente receberemos os nossos cajons. Não vejo a hora de começarmos a brincar com eles.

Dentre as tantas novidades em meio a esse processo, continuo a levar "caldos" e mais "caldos" a cada dia. Nunca havia experimentado a verdadeira sensação do resultdo de um trabalho que se baseia na exaustão, como estamos vivenciando nesta semana de trabalho. Trabalhar com base na pulsação ininterrupta, resignifica muito pra mim esse caminho de construção energética. Fichas começam a cair. Peças a se encaixar. Tem sido uma rica experiência musical ligada diretamente e de forma mais palpável ao corpo. É onde se dá o privilégio dos encontros com profissionais tão importantes e que já começam a escrever a história dessa história que começamos a contar.

Falando em escrever, recebemos o nosso dramaturgo e bagaceiro Rafael Martins, que também já deu seu ar por aqui. Pobre homem, pouco sono e muita coisa a processar. Ele tem estado no seu cantinho, de longe, a observar. E a escrever. É só o começo.

Bem-vindo Rafa, Helder e João Lima que deixou saudades aqui, mas finalmente apareceu por essas bandas virtuais e que tanto nos aproxima.

E vamo que vamo!!

Mais um nesta rica tripulação

Marinho já está navegando a todo pano no galpão do Clowns de Shakespeare. Foi uma experiência enriquecedora participar dessa aventura rumo a descoberta dos caminhos para montagem do espetáculo “O Capitão e a Sereia”. Por ser a função de direção uma atividade de muita responsabilidade, já que você trabalha com pessoas que estão confiando a você seu corpo, sua cabeça seu coração, é claro que eu cheguei em Natal muito tenso. Ainda mais por saber que ia trabalhar com um grupo muito experiente, comandado por um diretor inteligente, e que provavelmente tinham uma grande expectativa sobre o meu trabalho por conta das minhas referências. E além disso havia a expectativa de um resultado final. Pra completar eu só conhecia o grupo do ponto de vista de espectador dos seus espetáculos. Resumindo cheguei em Natal sem muita coisa definida sobre o que seria aquele encontro e um caderno inteiro de anotações sem articulação entre si. Só não fiquei com mais fios brancos na barba porque não sou do tipo que sofro por antecipação... só um pouquinho. Mas navegar é isso, é se aventurar mar à dentro confiando na experiência do capitão e da sua tripulação e enfrentar as intempéries da natureza no dia-a-dia, conforme ela vai aparecendo.
E assim foi minha semana de trabalho com o grupo. O primeiro dia, embora eu tenha trabalhado dando inicio a um plano que seguiria a semana toda, serviu apenas de reconhecimento. Para o dia seguinte tudo foi mudado radicalmente. Regras da navegação: as velas tem que ser manobradas conforme o vento sopra. Felizmente eu estava diante de um grupo de atores muito comprometidos com o projeto e generosamente abertos para experimentar. Se deixaram conduzir, ativamente e com muito entusiasmo e inventividade. Com esse clima propício e tendo virado o leme no segundo dia, no terceiro dia já surgiu o que seria o esqueleto do que mostraríamos para o público no final do processo. Tudo sem deixar de primar pelo que era mais importante, a troca de experiência e não o resultado final. Conclusão, tivemos algo condizente com a qualidade e seriedade do grupo como mostra desse processo de uma semana, eu aprendi muito como diretor ao colocar a prova a minha experiência e por trocar com um elenco tão maduro e generoso e acredito que o grupo também saiu com alguma coisa. Se de tudo que trabalhamos, conversamos nada tiver um aproveitamento direto, pelo menos serviu para fazê-los refletir sobre seus pontos de vistas a cerca de seus trabalhos.
Foi um prazer conhecê-los mais de perto. Não vou desejar boa sorte nessa empreitada porque acho que ela já está com vocês, porque ela sempre acompanha quem trabalha com dedicação, carinho e seriedade. Um grande beijo a todos.
Minha nossa... 8:38 da manhã e não dormi, organizando essas idéias... comecei a endoidar, já... Eita!

Organizando as idéias

Por favor me corrijam no que eu estiver equivocado...

1- BUSCANDO COMPREENDER (Questões iniciais)

Antes de iniciar a construção textual, acho importante me conectar ao sentido maior da montagem. Buscar o porquê, a necessidade que deu início a tudo. Sei da admiração de todos pelo livro de André, mas sei também que a escolha se deu de forma pragmática, visando atender às prerrogativas do edital, já que havia apenas uma semana para o encerramento das inscrições.

A urgência, digamos assim, foi motivação. Portanto, não pude desprezar este elemento. Precisei encontrar as raízes dessa urgência. Uma delas, obviamente, está na possibilidade de uma montagem patrocinada. Quase todos os grupos se inscrevem em editais, mas eu precisava achar o que se passava “neste” grupo, e não em outro qualquer. O que alimentava essa urgência.

De cara, tenho um grupo exponencial da região Nordeste, em crescente reconhecimento externo. Internamente, porém, o grupo passou por um maremoto que levou alguns membros. Depois das fortes ondas, o primeiro movimento é o de se por em pé, até mesmo por impulso. É humano. Diante do alarme, primeiro reagir. Depois pensar.

Imagino que este impulso de reafirmação, por parte dos que ficaram, seja o cerne de tudo. Mas não é tão simples. A equipe mudou, o grupo se afunilou. Trata-se de uma nova configuração. Se as coisas já não são as mesmas de antes, reafirmar-se, neste caso, será também reentender-se.

2- ATO DE RESISTÊNCIA

Quando um grupo pretende se reentender, volta às perguntas mais básicas, como:

- O que nos une?
- Porque ficamos nós?
- O que queremos do teatro?
- O que “não” queremos?
- Qual a essência do que fizemos até agora?
- Quem sou eu para meu grupo?
- O que é a nossa arte diante do mundo?

Questões tão amplas que jamais teremos todas as respostas. Devemos sempre estar nessa revisão interior. Mas há momentos excepcionais, em que essas perguntas nos vêem com mais intensidade, tornando-se a própria matéria de construção do espetáculo. Acredito que este seja o caso.

A montagem de O CAPITÃO E A SEREIA me parece, cada vez mais, uma auto-reflexão sobre a condição existencial (e até mesmo material) do próprio teatro. Uma atitude de resistência a tudo, nos mais diversos sentidos.

Daí a ideia de uma peça que valorize o trabalho do artista. Quanto ao processo, o grupo já começa a definir opções estéticas coerentes com o pensamento de resistência: pretende buscar o que o teatro tem de inconfundível e, sobretudo, insubstituível. Sem floreios, sem maiores efeitos.

Em tudo a concepção desta peça me parece um retorno ao embrionário. Na forma e no conteúdo. Da simplicidade das perguntas à precariedade do fazer. E fazer simples é muito difícil. Como diz Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho".

Ser simples é não enfeitar, é ir direto ao ponto. Nada mais importa, a não ser o essencial. Daí a busca por esse teatro-manufatura, pela teatralidade que se revela aos olhos da platéia, que desmistifica inclusive o glamour da surpresa, da estréia. Que vai se mostrando passo a passo como exercício, como trabalho suado.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensando numa escrita sob medida, acredito cada vez mais na importância de trazermos a história O CAPITÃO E A SEREIA para perto da própria história do Clowns. Que as trupes por vezes misturem e se confundam. Uma sugestão que surgiu no blog me parece ser uma boa ferramenta: a ênfase estar no olhar da trupe, e não no de Marinho. Enfim, ideias continuarão surgindo, mas quis destacar essa, que me chamou atenção.
Fundamental mesmo é pensarmos maneiras de realçar essas relações de cooperação e cumplicidade. Um correndo para colocar o cenário para o outro, um tocando para o outro que canta, alguém limpando o chão para a cena do outro... sei lá. São apenas exemplos tolos. Falo de mostrarmos que o teatro é uma experiência coletiva profunda. Resistir, resistir, resistir!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Seu Ambrósio

Todos os dias antes de iniciar o ensaio, os meninos limpam o chão do tablado, e hoje não foi diferente. Após a limpeza, partimos para o trabalho. Primeiro, nos conectamos com a pulsação de maneira mais rápida, ao andar pelo tablado. Helder ia conduzindo, passamos por alguns parâmetros marcados por um som externo que ele tocava, e em um momento ele pediu que registrássemos um “fazer” que estivéssemos gostando mais.

A partir disso, o grupo se dividiu em duas unidades, a partir da semelhança dos fazeres. Brincamos a partir dessas duas unidades, uma era o centro do círculo e a outra a parte de fora, e essas se relacionavam.


Acabado esse primeiro momento, Fernando leu uma história do livro “Histórias do Mar”, chamada “O Velho do Mar”, conto tradicional da Sibéria. Depois, dividiu os atores em duplas: meninos para um lado, meninas pro outro. Seguiu-se uma pausa para um lanche rápido, e depois Helder leu a história novamente, e Fê deu 10 minutos para os meninos fazerem o workshop.

O importante não era contar a história tal e qual, mas sim brincar com a pulsação, o andamento, com o ritmo do baião.

Helder observa atento

César e Marco foram os primeiros a apresentar. Eles criaram a imagem de dois pescadores no mar, sentados num barco, um de costas para o outro, segurando suas varas de pescar, lembrando de uma história que havia acontecido. Eles brincaram com onomatopéias, com repetição de palavras, com movimentos, buscando permanecer no mesmo andamento. O tempo todo faziam jogos de palavras com muita picardia, sempre um provocando o outro.

Em um provável momento de "baixaria", César e Marco pescam e se divertem

Depois, Renata e Camille contaram a história. Elas pediram que os ouvintes deitassem no chão e fechassem os olhos. Desenharam no chão, ao redor de cada pessoa, redes. Usaram o reco-reco, a escaleta, e um pano.

Renata e Camille contam sua história pra platéia nas redes

Assim que elas acabaram de contar a história, sentamos e conversamos sobre as duas apresentações. Helder falou que era preciso deixar mais claro o trilho, ter mais precisão, e que o baião não permaneceu dentro (interno) o tempo inteiro.

Os meninos falaram da dificuldade de manter a pulsação na relação com o outro, e ser conduzido pela pulsação da cena. Fernando disse que acredita que isso vem com a repetição, que é necessário treinar para chegar a isso, que é importante ter a consciência, e isso eles tinham, agora é preciso apropriação.

Em seguida, Fernando pediu que Marco e Helder pensassem em uma pulsação, em música, que pudesse ser usada nas cenas que foram apresentadas, sem medo de radicalizar. E para Rafa pediu que trouxesse um texto, também baseado nas cenas.

Após a conversa, os meninos começaram a brincadeira. Helder mostrou um pouquinho da brincadeira do Cavalo Marinho. Os meninos pegaram alguns instrumentos e formaram o banco, e Renata ficou sendo o Capitão. Helder fez o Ambrósio. Eles brincaram, cantaram toadas, viram as figuras que o Ambrósio trouxe, bom demais!

Cada dia de trabalho tem sido mais divertido do que o outro mesmo com tanto calo nos pés.

O maaaaaaaaaaar... Mariiiiiiiiiiiiim!!!!!!!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Capitão Marinho

Hoje começamos retomando a internalização da pulsação a partir do chão, e aos poucos fomos ficando de pé, cada um no seu pulso. Helder não direcionou, apenas lembrou os parâmetros que trabalhamos ontem. Depois, Helder começou a tocar bombo, tambor, e fizemos a mudança de parâmetros movidos por essa fonte sonora externa, até que foi ficando cada vez mais específico e chegamos ao ritmo do baião. Helder cantou algumas toadas, e pediu para cada um fixar um fazer (um movimento) e repetir, com e sem som externo.

Em seguida, cada um mostrou o seu material aos outros, apenas com a música interna, depois cada um reproduziu o movimento de outra pessoa, a partir da indicação do Helder. Então, ele demonstrou algumas possibilidades de junção dos materiais fixados, trabalhando os diversos parâmetros.

Após isso, conversamos sobre o trabalho.

Por que o nome Cavalo Marinho? Existem várias versões, e a que o Helder mais gosta é que o nome vem de uma das figuras mais importantes, o Capitão. Dono da brincadeira, é ele quem chama as outras figuras, fala através de poesia e entra usando um cavalo. Em certo momento da brincadeira, ele chega com seu cavalo, daí a ideia de Cavalo Marinho. Existe uma versão de que Marinho é um sobrenome de alguma família importante que já existiu.

A sistematização do trabalho que Helder traz a partir da sua formação em Cavalo Marinho nos mostra grandes possibilidades de criação para o ator, pois não estamos aprendendo a brincar, embora interesse ao grupo conhecer essa dança, mas estamos vivenciando um “jeito de fazer”, como Helder gosta de falar, e isso abre portas para criação de personagens, matrizes, de partituras corporais e musicais. Além disso, ele trouxe por outra via, a da pulsação, o que o trabalho energético propõe mas, no nosso caso, mostrou-se de forma mais eficiente na produção de energia para a cena.

Helder trouxe um texto de cordel, e cantou como no maracatu, ele fez isso para mostrar um texto que tem regras específicas, como no maracatu, que seguem parâmetros, mas que é possível criar a partir de combinações.

Fernando passou uma tarefa de casa para os meninos, pediu que eles pensassem em como contar uma história mantendo um andamento, uma pulsação, com o ritmo do baião, essa pulsação tanto poderia ser externa, como interna. A história ele só vai trazer amanhã.

E pra finalizar, Helder colocou algumas músicas (no som novo!) e pediu que identificássemos a pulsação.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Mergulhão

Chegaram hoje ao barracão mais duas pessoas que irão contribuir com o processo do Capitão, o querido Helder Vasconcelos, ator, músico e dançarino, formado nas tradições de Cavalo Marinho e Maracatu Rural, e o fofo Rafael Martins, ator e dramaturgo do grupo Bagaceira, de Fortaleza, ô terrinha boa!

Antes de partirmos para o trabalho prático, tivemos uma conversa rápida com Helder, na qual ele apontou algumas coisas em relação ao que iria fazer e tirou dúvidas. Falou que os exercícios não exigiam nenhum pré-requisito físico, da sua formação no cavalo marinho, da forma de fazer, da relação do indivíduo e do coletivo, e do elemento básico desse fazer: a pulsação. Os meninos também colocaram que seria interessante conhecer mais sobre a brincadeira do Cavalo Marinho.

O primeiro exercício que fizemos foi em cima de algumas propriedades do Mergulhão*. Primeiro, cada pessoa escolheu o nome de um lugar (Marco/praia, Rê/parque, Helder/montanha, César/rio, Camille/morro, Fernando/árvore, Paula/beco), depois o jogo continuou e passou por cinco etapas:

1. Estabelecer relação
2. Relação com pulsação
3. Relação e ritmo
4. Relação, ritmo e tempo específico
5. Relação e desenho rítmico do passo (o passo acompanha a toada*).

Durante o jogo, Helder foi explicando algumas coisas, falou sobre o baião ser o pulso do jogo, ritmo do Cavalo Marinho, da relação de conhecer primeiro o seu lugar para depois ir a outro – isso é bem parecido com o que Lima trouxe na semana anterior, primeiro existir/ser para depois relacionar –, e a diferença dos eixos do corpo, como este se comporta usando a frontalidade e a lateralidade.

Depois de uma pausa para descansar, iniciamos o segundo momento, em que trabalhamos a mesma coisa, mas sem formato de jogo e de forma mais específica.

Cada um encontrou uma pulsação interna, e essa pulsação foi transmitida a partes isoladas do corpo, como braços, cabeça, ombros, quadril… Continuando, encontramos uma pulsação coletiva, e Helder foi direcionando o exercício através do deslocamento dos atores no espaço. Ele trabalhou em cima de parâmetros musicais, como volume – este relacionado a movimento, espaço, níveis –, altura, andamento, compasso, entre outros.

Foi muito interessante a forma como Helder conduziu o primeiro e o segundo momento de hoje, pois nós chegamos ao ritmo do baião de uma forma muito fluida e divertida, e fizemos alguns passos de outros momentos do Cavalo Marinho. Depois conversamos, com a presença também de Sávio de Luna.

Na conversa, Helder falou sobre o Cavalo Marinho, disse que ele tem regras específicas, um modo de dançar em relação a música, uma relação direta com a necessidade que o move e não tem caráter religioso, embora possua religiosidade. Foram levantadas algumas questões sobre a relação da música com a dança; tradição x contemporaneidade; o corpo como instrumento musical; o uso da tecnologia, a precariedade no fazer teatral e a criatividade; não ser refém de um espaço; sua relação com a tradição; e a escola da tradição.

Uma imagem bacana que Helder trouxe durante os exercícios foi a seguinte: através da pulsação, define-se o trilho de um trem. O ritmo é o baião, e a viagem é o trecho que leva a várias variáveis dentro do baião, um lugar mais específico. A pulsação guia, mas não limita, e é importante que essa pulsação, antes de ser exteriorizada, seja internalizada, como se o nosso corpo fosse água, uma barragem que transbordasse.

*Glossário:

Mergulhão: É uma dança, momento que faz parte do início da brincadeira do Cavalo Marinho.
Toada: música do cavalo marinho.
Loa: poesia recitada.
Trupé: passo (desenho).
Martelo: refrão da música, momento em que há o mergulho.
Banco: grupo de músicos que tocam no Cavalo Marinho, formado por rabeca, pandeiro, baje e mineiro (ganzá).