sábado, 13 de junho de 2009

Agora sim, em alto mar! (acho)

Dia muito especial para o processo d'O Capitão, e imagino que para a história do grupo. Acredito que hoje tenhamos consolidado um marco de uma nova etapa do grupo, constatação essa chegada após levarmos o primeiro exercício cênico do processo ao público.

A casa tava super cheia. Preparamos uma estrutura para mais ou menos 50 pessoas, e tivemos mais de 90 presentes! Muito lindo ver o espaço assim. Mas a descrição do espaço merece ser feita a partir da manhã, e não apenas da apresentação. Apesar de eu ter chegado quase ao meio-dia, por não ser muito afeito ao trabalho matinal, o Ronaldo e sua equipe (o diretor Márcio, os técnicos e carregadores de escada Marco "Corniso" e César "Vinagrão" chegaram às 9h para montar a luz. Até aí, nada de diferente, não fosse pelo fato do Barracão não ter estrutura de luz e, pela primeira vez, recebeu varas e refletores na sua estrutura. O trabalho foi árduo, mas o resultado supera qualquer tentativa de descrição: o espaço ficou lindo! Ver o Barracão com equipamento de luz foi emocionante! Mais um passo na apropriação do espaço...

Pois bem. Voltando à noite, com a casa cheia de gente, inclusive com muitos colegas de outros grupos, como o Facetas, Beira, Tropa Trupe, Atores à Deriva, Carmim, dentre outros (até mesmo o Diocélio, vindo direto de João Pessoa!), parceiros de trabalho como o Sávio de Luna e o Álvaro, dentre várias outras pessoas a casa tava bonita.

Pouco antes do horário da apresentação, demos uma passada com a luz, para últimos ajustes, e já foi muito bom. A apresentação foi ainda melhor, com os meninos jogando de forma muito tranquila e viva. O trabalho musical bacana, o jogo com a platéia idem, e não há dúvida que o processo aberto do Capitão e o projeto Barracantes tiveram um pontapé inicial muito digno!

Depois da apresentação fizemos um bate-papo, com boa parte do público presente. Apesar de poucas falas, tivemos um retorno bacana. Os posicionamentos, em geral, ainda foram um pouco tímidos. Acho que precisaremos de um tempo maior para que as pessoas comecem a entender a função dessas "apresentações", do desejo que temos de escutar até mais do que falar, de receber sugestões, apreciações, impressões. Mesmo assim, acredito que para um primeiro bate-papo, foi bem produtivo.

Muito além da excelente convivência e de todo o aprendizado com o Márcio durante essa semana, do rico material que conseguimos levantar, e da limpeza e qualidade do resultado da costura que alcançamos, dois ganhos ficam mais evidentes ao meu olhar: o avanço que o tempo proporcionou ao grupo, claramente mostrado na tranquilidade do jogo que os meninos tiveram, e a mudança radical de paradigma que o Márcio nos traz, ao propor uma dialetização do olhar na criação, em contraste com a abordagem normalmente rococó ao extremo e encantatória, como o canto da sereia, que não mais nos interessa.

Fechamento Marciano

Dia de ajustes finais do trabalho com o Marciano para a apresentação de amanhã. Ainda assim, foi um dia de criação e muitas reflexões.

Cheguei mais tarde, por não ter conseguido almoçar a tempo. Deixei o Márcio no Barracão e fui comer alguma coisa, e nesse meio tempo fui incumbido pela Rê de comprar fitas para câmera de vídeo, que estão sendo usadas a toque de caixa...

Enfim, chegando no Barracão, encontro mais um integrante da nau que aportou pela primeira vez, nosso grande produtor Rafael Telles. Apesar de uma passagem rápida, já que ele está em pleno vapor na produção do tal auto de Assu - ah, esses autos... -, foi um papo muito bom para planejarmos a participação dele no trabalho, enquanto os meninos ensaiavam com o Márcio no tablado. Trabalhar com o Rafa é muito bom, além da cumplicidade de trabalho que já estabelecemos com ele em várias parcerias nos últimos anos, ele é um tipo de produtor que, ao invés de trazer problemas, traz solução. Ou melhor, soluções, alternativas, pensa a criação artística junto com a gente. E, agora, poderemos vivenciar um processo de montagem "de verdade" com ele, e não os trabalhos encomendados que ele sempre trabalhou conosco. Enfim, bem-vindo, bravo marinheiro Telles!

Além dele, já passaram pelo Barracão, nesses cinco dias de trabalho, o Márcio, a Gabriela, o Pablo, o Ronaldo, além da ilustre visita do Jorge Clésio. Bastante movimentação na sede nessa primeira semana, o que é excelente!

Bom, depois disso, nos dividimos em ajustes técnicos (eu e o Ronaldo tentando ajustar/consertar os aparelhos de som, colocando pitão na parede, etc.) e trabalho de cena. Além das limpezas e dos últimos ajustes de "marronzinho", como o Márcio gosta de chamar as indicações de trânsito de cena - para quem não é familiar ao termo, marronzinho é o apelido dos guardas de trânsito de SP -, também criamos alguns pequenos fragmentos que faltavam ser trabalhados, como a transição do público de cara triste para a alegria, após a intervenção do Marinho.

Demos uma passadona no que vai ser apresentado amanhã que, a propósito, ficou com quase 40 minutos! Criamos um espetáculo em uma semana! Rsrs... E ficou muito bacana. Lógico que não é um espetáculo, é um exercício, mas conseguimos chegar a um resultado de tanta dignidade, um jogo tão tranquilo e curtido em cena, que acredito que mostra uma maturidade enorme do grupo, nesses quase três anos sem montagem! É incrível lembrar que essa é apenas a primeira semana de processo! Como escrevi ontem, a cumplicidade de trabalho com o Márcio é também impressionante.

Disso tudo, ando muito curioso com a reação do público amanhã. Não naquela ansiedade de saber se vão gostar ou não, mas sim em saber como vai funcionar esse espaço de retorno do público, ando apostando muito nesse espaço aberto durante todo o processo. Lembrei muito da entrevista que o Lindolfo, querido amigo do Grupo Imbuaça, de Aracaju, me deu há alguns dias, pela minha pesquisa de mapeamento dos grupos de teatro do Nordeste que estou desenvolvendo. Quando perguntei sobre qual o grau de interferência da preocupação com o público nos processos de montagem deles - pergunta sempre muito controversa nas 33 entrevistas que fiz até agora -, ele respondeu brilhantemente, algo mais ou menos assim: "a gente não se preocupa com o público, o público cria junto com a gente". De todas as respostas que tive dos grupos nordestinos, essa foi a que mais ecoou na minha cabeça. Agora, me vejo prestes a apresentar um primeiro experimento deste processo que inicia, de muitos que virão. Me instiga muito saber como - ou se - isso vai contribuir para a nossa criação.

Por falar nisso, o Márcio sugeriu uma excelente ideia - ô, dificuldade em lembrar de escrever ideia sem acento!!!! - para estes ensaios abertos: criar um espaço no Barracão com garrafas, papéis e canetas, para as pessoas deixarem suas "mensagens na garrafa" sobre o trabalho, com sugestões, impressões, ideias, etc. Amanhã já colocaremos em prática!

Por fim, ao final do ensaio, quando comentávamos um pouco sobre como estava o trabalho, tentando responder às ansiedades naturais do atores ("como tá?", "o que vocês estão achando?", "tá legal?"), vimos o chão ainda riscado com o barco que os meninos desenham com giz, coletivamente. Comentamos muito sobre como é legal essa coisa de ir criando o piso onde a cena acontece, um tanto dogville, mas sob uma outra ideia. Pensamos na cartografia náutica, em especial os mapas de mares antigos, que poderiam ser uma excelente superfície para o espetáculo. Recorremos, também, ao André (como sempre), vendo os esqueletos afundados na terra, parecendo meio um boi, meio uma baleia, pensamos nestes nichos com pedras, ou com objetos "enterrados", enfim, uma conversa bem informal sobre a ambiência cênica, que servirá para desenvolvermos com a Wanda e a Gabriela mais pra frente.

Também conversamos bastante sobre essa questão das apresentações abertas durante o processo, da importância em eliminar esse mito do encontro com o público, do processo aberto. Então, amanhã vamos nos divertir!

sexta-feira, 12 de junho de 2009

De cansaços e ralações necessárias

Não sei o quanto foi só comigo, mas hoje o cansaço do trabalho da semana bateu pesado.

Apesar da leveza e da alegria que vêm ditando o tom do trabalho até agora ter continuado, não posso negar que o corpo mandou um recado. Claro que o fato de ontem termos saído após o ensaio para a "Continental dos pobres" e dos dois meses que ando peregrinando pelo Nordeste interferiram, mas nos três primeiros dias isso não aconteceu.

Enfim, cansaço - e sono - à parte, hoje também foi um dia de menos criação e mais limpeza, ajustes, afinações. O Márcio começou o trabalho lendo a idéia de roteiro que ele escreveu após o trabalho de ontem, propondo uma costura a alguns fragmentos que criamos, além de outras propostas de cena. Uma ideia interessante, que foi prontamente levada à cena.

O resto do dia foi levado muito nessa toada, do início de tentativa de colocar em prática a ideia do Márcio, ajustando as cenas já criadas a uma nova configuração espacial, fazendo cortes, edições, etc. Foi o caso do workshop do Santiago que o Marco criou, a "cena cubana", que passou a ser dividida com o César. Ou a belíssima solução da Tililim do desenho do barco do Santiago no chão, com giz, que gerou uma abertura de cena com os quatro atores desenhando coletivamente o barco, de uma forma meio ritualística. Em seguida, num lampejo "póish-dramático" do Márcio (rsrs), as duas atrizes entram no barco juntas, e cada uma conta a história do Velho e o Mar simultaneamente, cada uma para uma parte do público.

Ao final do dia, fomos ao Belle de Jour de guerra, encher a pança e celebrarmos um pouco a felicidade do momento. No caminho, o Marciano levantou uma questão que até agora me faz refletir, sobre a cumplicidade de trabalho que conseguimos construir. Ele disse que às vezes não precisa falar algo que deseja, porque logo antes eu falo exatamente a mesma coisa. Sinto a mesma coisa. Lembro da relação de direção compartilhada com o mestre Eduardo Moreira, que após algum tempo entrou mais ou menos nessa sintonia.

E desejo de ter logo o Rafael Martins, a Wanda, a Mona, o Hélder, a Paulinha, o André por aqui, conosco...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Nós

Diante do post de hoje do Marco, tão completo na descrição das atividades, dar-me-ei ao luxo de fazer escrever impressões e reflexões isentas do peso de dar conta de relatar como foi nosso trabalho.

Além de todas as questões que o Marco já levanta, a avaliação de hoje foi muito rica, como um balanço da metade do trabalho concluída - 3 dos 6 dias de trabalho com o Márcio.

Para mim, o principal ganho dentre tantos que a participação do Marciano já nos trouxe é apontar caminhos para a "dialetização" do olhar na criação da cena. Como falei na avaliação, temos uma facilidade em criar a cena a partir das soluções, e hoje acredito que precisemos transferir o foco da criação para o pensamento. Inclusive, como o Márcio bem lembrou, tendo a consciência que é preciso abrir mão de boas soluções em nome da cena. Desafio difícil...

Cada vez mais - e falo como se estivéssemos há muito tempo em processo, e é o que nos parece! - a dimensão política desta montagem fica evidente para nós. A discussão sobre a "existência em grupo", sobre as opções de vida que tendem ao indivíduo, aos valores que o neo-liberalismo insiste em afastar de qualquer ideia coletivizadora.

Penso no velho Santiago, que insiste em manter seus valores "antigos" e não recorrer aos modismos pesqueiros; Penso também na trupe do Marinho que fica, que mantem o sonho.

O protagonismo é, sem dúvida, uma chave fundamental para a discussão desse espetáculo.

Os Fab Four

10.06.09

Os dias de trabalho têm começado muito tranquilamente com cada coisa acontecendo no seu tempo. Confesso que ainda não sei o quanto se deve à condução e a maneira tranqüila que o Márcio imprime ao trabalho. Ou o quanto se deve à nossa relação com nosso trabalho, cada vez mais certos do que queremos e em que acreditamos. Acho que aposto na mistura dessas duas opções. Quem hoje chegou a agregar nossa equipe foi a Gabriela, estagiária de cenografia e que estará sendo o suporte para a Wanda durante os trabalhos. Sangue novo! Gente nova! Bom demais. Bem-vinda a bordo, Gabriela. Recebemos também uma rápida visita do querido amigo pernambucano Jorge Clésio, conterrâneo do nosso autor André Neves e futuro Ministro da Cultura, ou até quem sabe, Presidente da República. Bom, eu voto nele.

O primeiro desafio do dia foi fazermos coletivamente a criação da cena em que Marinho encontra sua concha e nisso revive suas lembranças de infância através das imagens do mar e dos seus seres construídas por sua imaginação.

Numa noite, porém, enquanto limpava lembranças do passado, Marinho encontrou sua concha. Dentro dela, o mar ainda continuava vivo e intensamente bravo. As ondas invadiram seus ouvidos com uma força avassaladora. Inundaram seus olhos e reviraram pensamentos, barcos, jangadas e navios, guardados há tanto tempo. A agitação despertou todos os monstros marinhos: tritões, ondinas e outras criaturas fantásticas que povoavam aquele oceano. Em sua concha ainda nadavam histórias de marujo, milhões de peixes coloridos, golfinhos, tubarões perigosos. As arraias voavam como tapetes mágicos, balançando as algas em ritmo revolto, e as baleias saltavam tão alto que derrubavam estrelas, que se espalhavam tanto no céu quanto no mar revolto.

O mais difícil de cenas assim é reproduzir teatralmente o que o universo das palavras descrevem tão bem, quando se trata de um universo encantatório e cheio de figuras míticas e fantásticas. Propus que víssemos um vídeo de uma música chamada Elephant Gun, da banda americana Beirut (http://www.youtube.com/watch?v=N-mqhkuOF7s) que acho trazer em sua essência uma celebração com pitadas lúdicas, muito semelhantes a sensação descrita por André no texto acima. Como na canção Lucy in the Sky with Diamonds, já citada aqui em posts anteriores. Usá-la nesse exercício foi quase uma armadilha. A tentativa de materializar as sensações vividas por Marinho naquele instante, dar conta pelos caminhos que optamos, do que essa música sozinha já propõe, nos puxou o tapete. Fomos vencidos pelos Beatles. Tudo bem, vai. Não foi por qualquer um. Afinal, na primeira metade do exercício conseguimos um resultado bem bacana. Usamos trechos cortados de canções que temos trabalhado como exploração de material até agora, como se surgissem da concha de Marinho, cada vez que ele a colocava no ouvido. Aparecíamos atrás do piano em coro, cantando esses trechos. Camille com o chapéu e jaleco que levei, muito maiores do que ela, criou uma imagem muito interessante, fazendo uma referência de Marinho criança. A propósito, esse jaleco é o que eu usava quando fazia Amado, meu clown. Portanto, marujos, tenhamos muito carinho com ele.

O passo seguinte foi fazermos uma improvisação com base no texto Nadando com o cavalo-marinho, também do André e que aparece no final do livro quase como uma nota do autor, que conta um pouco sobre a opção dele de ter escrito essa história, contextualizando o folguedo popular nos dias de hoje. Só que com um detalhe. Nesse exercício, nós seríamos o próprio autor falando como tal, contando essa história. Fernando, Márcio e Gabriela caminhavam pela sala, enquanto nós poderíamos abordá-los para conversar com eles sobre essa história. Foi muito interessante perceber a forma de nos apropriarmos de algo referente ao autor para contarmos algo, assim em primeira pessoa. Andrés encontraram com Andrés, que encontraram outros Andrés, até finalizar a improvisação com uma reunião de Andrés. Renata comentou ter sido bom fazer esse exercício para dar-lhe mais liberdade em brincar com o texto. Sentiu-se a própria dona, criadora do texto. Cuidado André!! Rsrsrs.

Mas o mais surpreendente estava por vir. Márcio pediu que criássemos uma cena a partir desse exercício, tendo como ponto de partida o mesmo texto sobre o Cavalo-Marinho, optando pelos seguintes personagens como contadores:
a) Um cantador de feira;
b) Um cego cantador;
c) Um mudo;
d) Um aleijão;

O cego Cesar começou com sua sanfona embalado pela melodia que ele mesmo criou para o exercício de ontem. Com os olhos fechados por fita crepe em cruz e realmente sem enxergar nada, fez um trabalho muito bom, na forma como articulou o texto na voz daquela figura grotesca e interessante. Para sua surpresa, quando terminou o exercício e finalmente ao tirar as fitas e voltando a enxergar, não encontrou ninguém na sala. Havíamos saído de fininho sem que ele percebesse. Pobre homem. Boas risadas. Renata teve a coragem de assumir o mudo, que também puxava por uma perna. Mas, o melhor foi ter o prazer de conhecer o primeiro mudo fanho da história das aberrações. Boas risadas? Não. Excelentes gargalhadas. Muito bom. Tilila, um aleijão esmilinguido e desconsolado, sentado ao chão com um pandeiro e um tapa-olhos daqueles usados para proteção da claridade enquanto dorme-se, sabe? Mas esse tal tapa-olhos era um truque, meio que para disfarçar uma cegueira da personagem e muito para esconder que a atriz espertamente estava colando o texto que estava cantando. Nem ela conseguiu segurar a onda. Nunca pensei rir tanto como hoje. Dias felizes. Já eu, optei pelo cantador violeiro de feira que puxava pelo violão através de um barbante, de um lado um boizinho, do outro um galante do reisado, figuras de cerâmica pertencentes ao Boi-de-Reis, que comprei durante o processo do Muito Barulho. Dos quatro, acabei trazendo uma proposta de texto mais improvisado. Foi meio complicado, mas queria me colocar nessa fogueira dessa vez. Propor algo menos elaborado e ver como eu dialogaria com isso. Preciso me colocar em situações assim mais vezes. Preciso encontrar o equilíbrio entre a segurança e a despretensão.

Sem pausa para comermos algo, sem a ida de crianççççççça (só pra lembrar, Tilila, Camille, ok?) tendo que sair mais cedo para o inglês, fomos devorados pelo tempo e pela excitação que o trabalho tem nos permitido. Começamos a trabalhar um texto que Márcio escreveu para ser o Prólogo do nosso experimento. Quase um manifesto. Maravilhoso! Exploramos de várias formas. Começamos a desenhar possibilidades para o início, abertura do exercício. Muitas coisas foram surgindo. Brincamos com um case do Casamento como embarcação para entrada da trupe, figuras que exploramos no exercício anterior.

(...) Juntos, viajavam terra adentro numa pequena embarcação de quatro rodas. (...) A carroça entrava na cidade como uma barcaça pesada que desce um rio em direção ao mar. (...)

Temos discutido e refletido bastante a partir da idéia da história ser contada pelo olhar da trupe que ficou, abandonada após a ida de Marinho rumo ao seu sonho de conhecer o mar. Pensamento horizontal e coerente com o nosso ideal de teatro de grupo que fazemos. Logo surgiu uma melodia e uma idéia de sonoridade que remetesse essa embarcação-jeringonça. Sanfona, pratos, zabumba, clarinete, sinos, apito de navio, vapor de embarcação. Tudo para colaborar nessa exploração de paisagem sonora. Dando idéia de amontoado, de carroça de feira, precariedade. Esquecemos do tempo e incorporamos o cansaço. Amanhã, os efeitos da corda que envolvia meu ombro enquanto eu puxava essa “embarcação”, trazendo a bordo os outros três colegas (Renata, Camille e o “pequeno” Cesar), me fará lembrar dos prazeres vividos em mais um dia de trabalho.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Homem ao mar!!

Ontem 09/06/2009, foi meu primeiro dia no processo criativo do Capitão. Como todo início é um salto no vazio, ou melhor, um mergulho na imensidão do oceano, eu ainda fico abismado como os integrantes do grupo possuem a capacidade de tornar o impalpável das idéias preliminares em experimentos teatrais potentes e dignos de uma problematização “profunda” (para também lembrar um pouquinho do mar, porque não?), o que de certa forma, nos dá a esperança de encontrar um porto seguro mais adiante em nossa jornada. Nesses primeiros exercícios, o Fernando, nosso Almirante, metodologicamente propõe a construção de work-shops a partir de um estímulo prévio, que no caso de ontem foi à estruturação de uma cena improvisada tendo como mote de criação o livro “O Velho do Mar” de Ernest Hemingway.

Como fiquei orgulhoso e impressionado com os resultados dos work-shops! Sei que é difícil manter os pés em terra firma, pois já zarpamos, no entanto, temos longa trajetória pela frente, de muito trabalho a bordo desse barco, que irá navegar em águas calmas, tempestuosas, turvas, desconhecidas, turbulentas, límpidas... Até chegarmos em nosso destino final no Sesi Vila Leopoldina em São Paulo. Claro que teremos ajuda de marujos experientes em momentos distintos dessa viagem, como agora, com o querido Márcio Marciano, seja bem vindo erudito amigo!!

O íntimo e o público

Segundo dia de trabalho, após uma "estréia" tão boa, é sempre uma responsa pesada! Antes de começarmos o trabalho, perdemos um tempinho enquanto os meninos faziam os últimos ajustes para o workshop sobre O Velho e o Mar, que eu havia pedido há cerca de um mês e que hoje eles apresentaram, enquanto eu degladiava com o computador - com sucesso! - para instalar a nossa rede wi-fi no Barracão. Habemos internetius!

Quem veio ao Barracão hoje foi o Ronaldo, nosso fiel iluminador, o acadêmico do grupo, que foi uma grande presença no trabalho

Os workshops que eles deviam preparar para apresentar hoje era uma contação do livro do Hemingway, tentando associar detalhamento e síntese, como eu já havia pedido no exercício anterior sobre Urashima Taro.

O Marco foi o primeiro a apresentar seu trabalho. Uma superprodução! Utilizou música (claro!) composta e gravada especialmente para a cena, editou Chan Chan, do Buena Vista Social Club, usou água, sal, piano, boina, bandeira cubana, Coca-Cola, corda, enfim, uma profusão de imagens e metáforas. Em linhas gerais, para o leitor que nada está entendendo, ele pegou o gancho da história se passar em Cuba, e fez uma grande metáfora da história com a relação de Cuba com os EUA (os tubarões, representados pela Coca-Cola), aproveitando seu cabelo comprido, barba e bigode, para assumir a figura (fisicamente) do Che Guevara. E ficou, realmente, muito parecido. Na avaliação do Ronaldo, muito precisa e sensata, ele apontou a maior virtude do Marco como seu maior defeito. As imagens criadas foram belíssimas, o nível de acabamento da cena idem, no entanto a quantidade de referência cruzada também abria tanto as possibilidades da cena que o Hemingway ficava um tanto à margem. Apesar dessa dependência aos recursos visuais, acredito que a cena do Marcão já foi muito mais enxuta, os elementos bem usados, apesar de concordar com o Ronaldo. Aquele ritmo pausado do Urashima também teve ganhos, apesar de ainda haver mais a caminhar.

Em seguida, a Renata trouxe um exercício diametralmente oposto ao do Marco! Munida de um tecido estampado no chão, sobre o qual ficou sentada o tempo inteiro, um chapéu de palha, prendedores de roupa e um barquinho, a Renata mostrou mais uma vez uma incrível poder de contação, muito segura, tranquila, serena. O Márcio, ao final, apontou a necessidade da definição de quem é essa pessoa que conta a história, destacando que, apesar de todas essas qualidades que ja citei, alguns pequenos vícios de contador precisam ser trabalhados, para possibilitar epicizações da cena. Além dessa observação, outra questão apontada foi a tentativa tímida de manipular os objetos que ela levou à cena, que não só não ajudaram, como atrapalharam muito. Por mim, eliminaria tudo. Ela já deu conta da cena sozinha.

A Tililim começou sua cena anunciando: "Vou contar a história de um pescador". Desenhou um barco meio torto no chão, com giz, e com uma impressionante naturalidade nos convidou para sentarmos em volta dele. Trouxe elementos de cena (chapéu de palha e vara de pescar) que, como a Rê, eram completamente dispensáveis, e contou de forma muito segura e limpa a história de Santiago. Apontei que apesar de toda a segurança que ela aparentava (apesar de saber que não era real, já que antes de começar ela confessou que estava muito nervosa), se traía em algumas escapadas do olhar. O Márcio elogiou a forma épica como ela trabalhou, narrando, ao invés de contar. Elemento importantíssimo para aprofundarmos em seguida.

Por fim, o César trouxe uma experimentação muito interessante. No meio do caos que ele apresentava, era claro que estava muito preocupado com avançar em relação ao exercício do Urashima, no qual apontei a necessidade de um cuidado com o olhar - que era vazio então, sem relação - e de elminar o tom sussurado-viciado-lugar-comum-de-contador, em troca de uma narração mais verdadeira, menos teatralizada. E conseguiu! A narrativa era muito atraente, de uma intimidade interessante cenicamente. Há uma deficiência em segurar esse registro o tempo todo, ele perde-se em lapsos, mas sem dúvida houve um grande avanço técnico do trabalho de ator do César.

Após as apresentações, chamei o Arlindo no escritório, e então ficamos 4 a 4: quatro atores para quatro espectadores (eu, Márcio, Ronaldo e Arlindo). Pedi para cada ator escolher uma "platéia de um homem só" e, numa relação espacial de proximidade, contar a história só para seu público, sem o uso dos elementos cênicos que haviam sido utilizados. O César ficou comigo, o Marco com o Ronaldo, a Rê com o Márcio e a Camille com o Arlindo.

Como a atividade exigia uma atenção full time para aquele que estava me contando a história, não pude acompanhar como aconteceu com os outros. Em relação ao César, houve um ganho muito grande no cuidado com a história em si. Todos relataram o mesmo. No entanto, a espontaneidade que ele demonstrou no seu exercício, muito despretensioso, se foi.

Enquanto fazíamos o exercício, a energia elétrica do Barracão (da região toda, depois descobrimos) se foi.

Em seguida, pedi para eles fazerem o procedimento que o Márcio propôs ontem e que achei muito interessante, e vou me fazer valer outras vezes durante o processo: após fazer a atividade, anotar pontos interessantes de destaque do trabalho, seja como ator, seja como platéia. Dei duas chaves para dirigir as anotações: a proximidade e a ausência dos elementos de cena.

Depois, propus experimentarmos o inverso: a distância. Aproveitando as anotações que fizeram da atividade anterior, pedi aos meninos que trabalhassem, agora, com foco na dilatação. Além do que, todos contariam suas histórias ao seu espectador ao mesmo tempo, em extremos opostos da sala, o que exigiria uma atenção enorme por parte de quem contava e quem escutava.

O exercício foi um tanto confuso, mas bem vivo. O Marco, na avaliação, revelou que foi, para ele, a melhor das três suas contações. O César também ganhou muito, apesar da dificuldade em prestar atenção com tantas ações acontecendo ao mesmo tempo. Gostaria de repetir o exercício com um contando de cada vez, para todos os "públicos", mas não deu tempo, e a escuridão começava a tomar o espaço.

Logo depois, a luz voltou.

E começamos uma avaliação, muito em cima das coisas todas que já relatei.

Acho importante destacar que, durante a tarde - teríamos que finalizar cedo hoje, já que tinha reunião do Redemoinho Natal à noite - fiquei um tanto receoso em estar utilizando o precioso horário com a presença do Márcio para fazer atividades "nossas", mas esta avaliação resolveu essa questão. A leitura do Márcio dos exercícios foi de tamanha precisão e riqueza, que tudo se justificou. Aliás, é incrível como o Márcio é de casa, muita cumplicidade de trabalho! Além da questão que já citei sobre a importância de se definir quem é esse narrador que conta (narra) a história, também achei muito precioso quando ele aponta que precisamos sempre pesar o quanto se ganha ou se perde com cada escolha ou abandono de uma solução. Lição importantíssima para esses Clowns, barrocos que são, principalmente nos elementos cômicos!

Dentre as questões de maior destaque, aponto a colocação do César e do Marco para a importância da repetição dos exercícios, e da relação palavra/imagem, quem vem sendo uma discussão no grupo desde que decidimos montar esse espetáculo.

Resumindo a ópera, saí desse Dia 02 muito satisfeito. A qualidade das cenas apresentadas, a maturidade que o grupo mostra, a riqueza das avaliações e conversas, o equilíbrio entre a prática e a discussão, o equilíbrio entre detalhamento e síntese apresentado, o nível de proposição de excelentes estímulos cênicos, são indicadores do nosso crescimento e, mais uma vez repito, do feliz caminho que se aponta para essa montagem.

O Mar e o Canavial

O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.

O que o canavial sim aprende do mar:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.

João Cabral de Melo Neto

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Içar velas! Levantar âncoras! Desfazer as amarras!

"Desfazer as amarras" é uma imagem muito boa para um início de processo de montagem, hein? Desfazer-se das amarras, livrar-se dos preceitos, preconceitos, couraças, o que amarre a criação!

E o trabalho de hoje foi exatamente assim. Para o ato inaugural da nossa montagem, abri mão do timão para deixá-lo a cargo de um timoneiro mais experiente, profundo conhecedor dos sete mares teatrais, nosso amigo e parceiro Márcio Marciano. Timão de um corinthiano para outro (não podia perder a piada... Rsrs...) O Márcio está em Natal essa semana para uma tarefa dupla: cumprir a segunda etapa do projeto Oficinão Clowns, do Programa BNB de Cultura - que prevê um intercâmbio nosso com três profissionais de outros estados Nordestinos, que são o Márcio, o João Lima e o Hélder Vasconcelos -, e iniciar o processo de montagem d'O Capitão, fazendo essa primeira aproximação prática ao tema e ao texto. Nas preliminares, há um mês atrás, fizemos uma primeira brincadeira em cima do Urashima Taro, um conto tradicional japonês. Hoje, no entanto, a brincadeira com o Capitão começou pra valer.

Deixando as referências náuticas e marítimas de lado - uma hora há de se encher o saco desses joguinhos de palavras que estamos adorando fazer!!!! -, vamos ao trabalho!

Iniciamos as atividades batendo um papo sobre o que fizemos até hoje, que aproximações ao livro já exercitamos, etc. Contamos sobre as leituras que fizemos até agora (Urashima, O Velho e o Mar, Velhos Marinheiros, O Lobo do Mar, etc.), sobre o workshop em cima do Urashima, as tentativas de construção teórica sobre o texto e o trabalho como um todo - em especial a busca do sentido político em montar O Capitão. Ao longo da jornada, conseguimos nos aproximar bastante de um pensamento mais elaborado sobre o tema: a peça é uma ação de resistência ao pensamento individualizante neo-liberal. A fuga do Marinho é uma fuga à confrontação com o real, com o seu mundo, suas verdades. A questão está presente em toda a discussão do teatro de grupo e como nos colocamos no mundo hoje.

Nesta primeira conversa - assim como nas outras, ao longo da tarde/noite -, o Márcio apontou reflexões preciosíssimas sobre o espetáculo e o texto, que tento trazer abaixo:

a) Trouxe as referências da Odisséia (a cera no ouvido para não se escutar o canto da sereia) e de João Cabral de Melo Neto (no seu poema que relaciona o canavial com o mar, a nossa mesma relação de sertão e mar);

b) Aponta que o canto da sereia deve ser encantatório apenas para o Marinho, e não para o público. Como encontrar essa sutileza?

c) Para fugirmos da folclorização, precisamos subverter a "expectativa paulistana", criar um estranhamento no olhar sobre o "nordestinismo";

d) Precisamos humanizar o Marinho, quebrar a estetização da crueza da seca que as ilustrações do André propõem. Para isso, precisamos encontrar qual a medida da dor desse personagem!

Lembramos muito do Fellini e suas figuras que circulam do sublime ao grotesco com enorme facilidade, às vezes até ao mesmo tempo. Lembramos da Giulieta Masina em La Strada, figura patética e apaixonante. Referência preciosa...

Bueno, passado o papo, fomos à prática, pôr a mão na massa!

O Márcio colocou os atores em duplas (primeiro o César com a Camille e a Rê com o Marco), um sentado de frente para o outro, em cadeiras. Em cada dupla, um massageava os pés do outro, enquanto contava a ele uma história de sua infância sobre a sua relação com o mar. Em seguida, inverteram.

Trocadas as duplas (Marco/Camille, César/Rê), ele propôs a mesma dinâmica, mas dessa vez a história contada era a do próprio Capitão e a Sereia. Ao final de cada rodada, o ouvinte anotava os principais destaques da contação do outro. Depois, inverteram. A relação de cada um em contar uma história sua e uma história externa é muito diferente! Como conseguir essa relação verdadeira que se tem - obviamente - com a sua própria história, ao contar uma história alheia?

Em seguida, o Márcio deu dez minutos para os atores explorarem, individualmente, um modelo (podia ser uma pessoa real ou alguém tirado, por exemplo, da literatura) ques servisse de modelo para um dos integrantes da trupe do Marinho (que não fosse o Marinho). Este iria apresentar o Marinho à plateia, contando o porquê dele ser um grande contador de histórias, etc.

O resultado foi bem interessante. A Rê fez uma espécie de apresentador de circo, muito extrovertida, grande. Tinha uma leve proposição de sotaque estrangeiro, o que é bem bacana para pensarmos pra um desses personagens. O César trouxe uma proposta bem semelhante ao da Rê, apesar de ainda mais extravagante, como lhe é peculiar. O Marco trouxe o nosso querido Ernani Maletta, e foi muito engraçado, fazendo a gestualidade do maestro, a mania de falar de olhos fechados e achar as coisas "do caralho, do caralho!". A Tililim - que é a Camille, pra quem não sabe - fez uma espécie de malandro, maloqueiro, meio rapper. Depois, o César fez mais uma experimentação, desta vez um velho, usando o bastão como uma bengala.

A partir destes tipos, o Márcio propôs uma improvisação para os meninos. A situação era o momento em que a trupe descobre que o Marinho os deixou. Cada personagem teria uma reação diferente, da seguinte forma:

A - Defende que eles devem tocar o barco sem o Marinho (Renata);

B - Defende o Marinho, achando que ele não os abandonou (Camille);

C - Decide ir embora, largar a trupe também (Marco);

D - Quer ir embora, mas antes destruindo o barco (César).

Em seguida, o C é convencido pelo D a destruir o barco, a situação se extremiza, até que B começa a cantar uma canção que agrega todos novamente e finaliza a cena.

Os meninos fizeram uma cena muito divertida, com os personagens muito carregados, radicalizando na tipificação e na carga cômica. O César fazia um "monstro" (qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência) que berrava e queria destruir tudo, e o Marco com sua caricatura do Ernani era muito divertido. Desde já, podemos notar como o grupo tem o hábito - os meninos em especial - de abrir muitas portas o que, às vezes, atrapalha o foco dramatúrgico desejado. É divertido, mas às vezes desnecessário.

Após a cena, o Márcio pediu que ele refizessem a cena, desta vez com ênfase nas relações, "como se fosse uma cena de Eugene O´Neill" (ou foi Tenesse Williams?). O resultado foi bem interessante. Não se perdeu tanto do teor cômico e dos tipos, que foi bacana na primeira experiência, mas as relações foram mais interessantes e o foco do discurso da cena ganhou muito. Ainda surgiram algumas digressões, como uma piada idiotíssima (e genial) do Marco, logo no início da cena, quando o personagem da Renata entra falando algo do tipo:

- Senhores, tenho uma notícia muito ruim. O nosso mestre, que nos fez descobrir o sertão, se foi...

E o Marco:

- Quem? Luiz Gonzaga? Ah, mas já faz tempo!

Apesar de ter arrancado boas gargalhadas de todos, depois avaliamos como essas piadas não contribuem para o funcionamento da cena (mas que foi boa, foi...).

Depois, fizemos uma boa avaliação do trabalho, mais uma vez muito material foi levantado, o pensamento amadurecido, muito além, aliás, da simples questão do texto ou do espetáculo em si; conversamos sobre teatro de grupo, nossa existência, etc.

Enfim, melhor início de trabalho não poderia ser! A cabeça a mil, e uma certeza de um processo muito rico que nos espera!

O SERTÃO VAI VIRAR MAR! O MAR VAI VIRAR SERTÃO!

Agora é oficial!

08.06.09

Segunda especial. Chegada do Márcio Marciano, parceiro de trabalhos, idéias e lutas e do bom filho japonês, que após quase dois meses envolvido com o projeto Cartografias do Nordeste, à casa torna. Sem falar, é claro, do tão esperado início oficial do processo do Capitão. A demanda de assuntos a serem discutidos e colocados em dia em meio a tantas coisas que aconteceram nesse período, mostra que temos muito trabalho pela frente. Percebemos a necessidade de aumentarmos a nossa carga horária de trabalho daqui pra frente pra que consigamos dar conta do treinamento com o Sávio, do trabalho administrativo e do artístico, que envolve os ensaios da montagem. Vamos negociando essa ampliação do tempo à medida da urgência e necessidade a cada semana, combinados a finalização do semestre do inglês da “crianççççça” (Tilila).

É muito bom ver a tranquilidade com que Márcio conduz o seu trabalho. Apesar de nossa aproximação na Lapada, na montagem do Quebra-Quilos, em que eu e Fernando trabalhamos como colaboradores do processo, nos poucos e importantíssimos dois dias de trabalho nas vésperas da estréia do Casamento, só agora conseguimos de fato realizar essa parceria não só no início, mas abrindo as atividades dessa montagem.

Começamos conversando sobre o que o universo do texto tem nos despertado como criadores, pensadores. Uma das grandes pérolas em ter o Márcio conosco é a sua experiência e pesquisa ligadas a dramaturgia sob a perspectiva de um olhar dialético. Sobretudo nesse momento em que começamos um processo onde o texto será construído de maneira autoral, ainda que tendo como base, ponto de partida o livro O Capitão e a Sereia, sua contribuição como dramaturgo junto a Rafael será fundamental.

Aquários, tecidos, bacias, varas de pescar, girassóis, iscas, bóias e anzóis. Estímulos variados para que fizéssemos uma aproximação com as imagens propostas pelo André (Neves). Aproximar, explorar, compreender para depois nos afastarmos disso. A riqueza das ilustrações nos dá muito facilmente um caminho claro em relação a cenografia do espetáculo. No entanto é importante que dialoguemos com isso de maneira questionadora, inquieta, para que possamos ir mais adiante nas camadas da cebola. Descobrir a essência que nos interessa. É preciso ir à busca do que não está garantido. Ou seja, praticamente tudo. Busquemos então!

Depois de fazermos um exercício que contávamos dois a dois algo que tenhamos vivido na infância relacionado ao tema “mar”, trocamos de duplas e contamos a história do Capitão Marinho, o herói da nossa história. É evidente a forma como nos relacionamos contando histórias a partir de uma vivência pessoal e de uma outra que nos apropriamos para fazê-lo. Muda tudo! A intenção, a forma de falar, a impostação, o olhar. Não deveria, mas é assim (ou deveria?). Bom, só sei que foi assim. É aí onde começa a nossa peleja com o tal ator-narrador. A linha tênue que me derruba o tempo inteiro entre naturalidade, envolvimento, distanciamento e teatralização da forma. Ufa! Difícil esse troço. É...e é só o começo. (Oba! É só o começo!)

No exercício seguinte, fizemos uma exploração individual pelo espaço onde traríamos a corporeidade e a fala de alguém próximo, que conseguíssemos reproduzir através da mímese resgatada a partir da nossa memória. Essa “figura” seria um dos integrantes da trupe do Marinho e que o apresentaria para todos como seu grande amigo. Escolhi o maestro Ernani, para trazê-lo pra perto, entre nós. Surgiram tipos muito interessantes. Pensamos e discutimos a partir desse exercício sobre as vias diversas que podemos optar na construção dessa história. Na personificação do Capitão estar presente em todos os contadores, integrantes da trupe e não exclusivamente na figura de um único ator. Na dramaturgia ser criada a partir da ausência do Cap. Marinho, o que daria margem para um novo universo de possibilidades. São muitas coisas! A cabeça anda a mil!! É hora de acelerar. O freio? Ahhh, tá nas mãos e pés do Japa. Bom, mas voltando, com algumas regras e indicações de Marciano (Márcio) fizemos uma improvisação onde, no primeiro momento, trazer esses tipos que exploramos anteriormente para se relacionarem diante de uma situação de conflito, nos colocou em estado de exagero das formas tornando a cena criada, apesar de divertida (pra variar), carregada demais. Repetimos uma segunda vez com o cuidado de internalizar mais o conteúdo de apresentação das personagens para humanizar mais as relações entre todos. Ainda com dificuldades de realizar bem isso, caminhamos melhor dessa vez. É a danada da prática se manifestando quando tudo parece se fazer muito claro na cabeça da gente. Tsc tsc tsc.

Após a pausa para o café, uvas, bolachas e ligações, nos dividimos novamente em duplas (eu e Tilila, Cesar e Renata) para traduzirmos em cena, onde a fala não seria obrigatória, a representação de Marinho quando adulto e como criança a partir das ilustrações. O mais interessante desse exercício é que acabamos optando, ambas as duplas, por uma não-reprodução da imagem sugerida no livro. Mas sim por um olhar mais ligado à nossa subjetividade diante da obra. Acho isso muito bom. É um exemplo claro e sem a preocupação direta de ter isso como uma regra, da busca pelo que está além das ilustrações, uma vez que nesse exercício poderíamos ter recorrido aos elementos mais diretamente para reforçar o que está presente no livro.

César e Renata colocaram em cena o nascimento de Marinho após seis partos seguidos de girassóis que representavam as meninas em ciclos de nove meses entre um e outro. Quebrando a regra dos “girassóis”, surge Marinho, o primeiro filho varão da família, representado belamente por um pequenino aquário com um peixinho dentro. Calma! Peixinho de borracha que é usado como isca. Os Clowns garantem que todos os animais usados no processo não sofrerão nenhum tipo de violência. Exceto a espécie desse que vos escreve. Foi ótimo ver a cara de asco e surpresa que Arlindo fez ao ver depois o peixinho boiando no aquário. Ele achou q fosse de verdade. Imagina... Apesar da comicidade presente na cena que eles fizeram, acho q conseguiram um bom equilíbrio com o lirismo das imagens apresentadas. Um misto de grotesco, beleza e fantástico.

Já nós criamos uma cena tendo como base uma aparente pesca no momento em que o peixe é fisgado ao som de acordes na sanfona dando um clima de tensão. A revelação do bom-bom “pescado” e não de um peixe como seria esperado, mostra que se tratava de uma pescaria comum nas brincadeiras de períodos juninos, onde Marinho não era o pescador, mas sim, o dono daquela barraca, subvertendo a lógica construída até aquele momento.

Foi impressionante perceber a quantidade de coisas despertadas ao longo desse primeiro dia de trabalho. É bom demais estar de volta a um processo depois de tanto tempo. Somos outros. O tempo visivelmente continuou atuando sobre nós. É o bom de reconhecer o envelhecer ainda na juventude. É o que nos resta. Bem-vindos!