sexta-feira, 26 de junho de 2009

Lucy in the Sky with Diamonds

Depois de escrever não menos que dez vezes o trecho da obra “O Capitão e a Sereia” que me foi designado pelo encenador João Lima, começo chegar a lugares nunca antes por mim navegados no oceano literário de André Neves.

Percebo como ele harmoniza o texto a partir de duas linhas que parecem conduzir a história de forma simultânea. Existe uma seqüência lógica, racional, em sua forma de escrever, mas também uma sequência emocional, sensitiva, como se a fábula apenas se desdobrasse quase que naturalmente, sem o mínimo esforço.

Marinho sai para buscar o mar, se depara com ele, observa, experimenta, usufrui, é acolhido, e por fim, fica intimo do objeto desejado.

Tudo na mais pura e simples lógica de acontecimentos. Assim como deve ser, sem mistérios ou rebuscamento.

Mas, além disso, André cria condições para que um fato leve a outro quase que naturalmente, é nesse momento em que ele apela para os sentidos. Marinho, que durante dias caminhou pelo sertão escasso e quente, em um determinado momento se depara com o mar. André então narra:

E finalmente, numa manhã de sol, quando o calor se misturou à brisa fresca na paisagem verdejante, um mar se abriu completamente, com todos os seus tons de azul. Marinho não enxergou mais nada.

O trecho me remete a uma zona de fronteira, um apelo para os sentidos, uma sensação de refrescância para a pele e para os olhos também. Quando diz que o personagem não enxergou mais nada, quase que sugere o ser estático a contempla, me arriscaria até a falar que imóvel ele ficou por um bom punhado de horas.

E ainda continua:
Tudo cintilava, e o oceano era único e gigante. Depois de sentir todas as sensações a beira-mar, ele mergulhou, e nada mais lhe atravessou o espírito, a não ser o silêncio que se espalhava nas águas.

Acredito não ser à toa que Freud denominou de “sentimento oceânico” as experiências de unidade do bebê com a mãe, através do seio, no momento da alimentação. Também Stanislav Grof, em suas pesquisas psiquiátricas nada convencionais, com uso de LSD e outros similares (ou genéricos! rs), se referiu ao mesmo sentimento para a relação intrauterina.

Ambos, tanto Freud como Grof, falam que essa sensação é rememorada nos momentos em que temos experiências que nos remetem a integração e pertencimento, quando algo nos remete ao sentimento de unidade universal.

Não sei o quanto André Neves tem consciência desses fatos ou o quanto eles são organizados de forma fluentemente intuitiva, mas fato é que durante esses dias, a cada vez que tive de escrever cada palavra do seu texto, fui descobrindo lugares de profundezas intrigantes.

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