quinta-feira, 18 de junho de 2009

A Novidade

O trabalho começou com o treinamento de Contato Improvisação com o mestre Sávio de Luna, que tem ampliado o alcance do trabalho para movimentações ligadas ao mar, como relatei anteriormente. Hoje não acompanhei o trabalho, parte por ter chegado depois - por estar viajando por Brasília e São Paulo desde ontem - e parte por, após chegar com o trabalho iniciado, preferi ficar no escritório resolvendo questões administrativas do grupo. Fui chamado ao final do trabalho pelos meninos para acertarmos a agenda da próxima semana com o Sávio, e eles aproveitaram para relatar o trabalho que tinham acabado de fazer: explorar a movimentação de seres do mar. Definimos que semana que vem só trabalharemos na quinta, e desde já encumbi os cinco (Sávio e atores) a preparar um workshop: montar um aquário. A idéia não é elaborar uma cena com uma dramaturgia, etc, mas pensar nestes seres, e numa relação de foco para a platéia. Vão preparar o trabalho para a outra semana, que o Hélder estará aqui.

Em seguida, pedi para, em duplas, eles prepararem uma cena: o dia em que o menino Marinho recebeu a concha do seu pai. Mais uma vez, materiais muito ricos foram apresentados.

O César e a Renata usaram as costas do sofá do Barracão como um berço, que a platéia não conseguia enxergar. O César surgiu por trás do berço - numa referência à aparição dele no workshop do "Nascimento do herói" (quando ele surgia por trás do pano na hora do parto) - como um pai/narrador acordado no meio da madrugada pelo choro do Marinho Bebê, comentando com a platéia como o Marinho tem dificuldade em dormir. A Rê, como o bebê, aparecia apenas com as pernas e as mãos, e chorava, chorava muito! Então, após tentar dar mamadeira (que parava um pouquinho de chorar, e continuava em seguida), o pai abriu seu "baú de histórias" e começou a tirar objetos e, a cada objeto, ia contando uma história ao pequeno Marinho, que se satisfazia parcialmente, e voltava sempre a chorar. Até a um livro d'O Capitão e a Sereia o pai recorreu, dizendo que o Marinho adorava "as histórias do André Neves", mas surtiu o mesmo efeito. Por fim, ele tira a concha do baú, e o menino pegou para ouvir, e foi acalmando-se. Num final um tanto trapalhões, a cena acaba com o bebê, já calmo, fazendo xixi na cara do pai. Rsrs...

A cena da Camille e do Marco não recorreu ao texto, coisa rara nesses tempos de descoberta da narração que estamos passando. Eles levaram mais à risca o que pedi, trabalhando o exato momento em que o Marinho "herda" a concha. Na cena deles, o Marinho criança traz o case para próximo da platéia, e uma música surge de dentro. É uma pequena parte de "A Novidade", do Gil e Paralamas, que já tínhamos comentado antes, e que eu havia pedido pro Marco pensar num arranjo para trabalhar com os meninos. Como o Marco é muito antenado (e um tarado por criação), já aproveitou para experimentar. Usando a escaleta, trouxe aquele "u-u-u-u-u-u-u, a-aaaaa!!!!" que o Gil canta na versão acústica da música. O baú se abriu e só conseguíamos ver os pezinhos do pai do Marinho balançando, enquanto tocava e se divertia com a música, tocada numa levada blues. Após parar de tocar, o pai entrega a escaleta/concha para o seu filho, e morre repentinamente, quase comicamente (ou seria comicamente mesmo?), como se fosse um ataque fulminante, e então o jovem herói fecha o (agora) caixão, coloca o instrumento de efeito de mar sobre o túmulo e sai tocando a música na sua concha, para longe da platéia. Cena de muita poesia.

Na avaliação, levantamos algumas questões importantes. A não-utilização da fala foi uma delas. A questão da narração/dialetização, como já vem se tornando recorrente, outra. Tivemos também uma excelente conversa sobre a utilização dos signos nas cenas e o fato da platéia, nestes exercícios (eu, Gabriela, Arlindo), já estar pactua a priori, uma vez que já sabe do que se trata a cena e, principalmente, já vem envolvida com o processo desde o início. Precisamos trabalhar levando em consideração um público que não tem esse processo inicial!

Na avaliação, conversamos algumas coisas interessantes sobre a cenografia. Além de algumas funções que o "carro-barco", ou "barco com rodas" já vem ganhando (ter um teclado, caber uma pessoa dentro, suportar o peso de pessoas sobre ele), também expus que vejo, hoje, um acabamento muito improvisado, coisas aparentes, amarrações, nada próximo a aquela estética "popular chic". Uma chave bacana que surgiu foi o termo geringonça para o nosso veículo que, depois, vi que é usado pelo André no livro.

Como havia conversado com os meninos no início do trabalho, precisamos trazer e organizar todos os elementos cênicos que já temos acumulado nessas duas semanas: varas, anzóis, aquários, iscas, tecidos, bacias, etc. Vamos tentar fazer isso em breve.

Depois, propus uma dinâmica um pouco diferente do que estamos fazendo até agora: um workshop coletivo (feito pelos quatro), e com um acompanhamento/interferência mais diretos da minha parte. A idéia é criar uma costura entre quatro cenas que representem momentos da infância do Marinho: o nascimento (cena "O Nascimento do Herói", feita pelo César e Renata na semana passada, para o Márcio), o bebê (esta cena de hoje), a criança que perde o pai (cena de hoje da Camille e Marco) e, por fim, o Marinho sozinho no mundo, descobrindo a beleza do universo marinho (que é a cena da Camille com o Lucy in the Sky with Diamonds, que foi usada no Barracantes da semana passada).

Não conseguimos chegar até o fim, mas já levantamos boa parte da cena, para apresentar amanhã. Propus uma quebra da relação espacial frontal, como os meninos já estavam propensos a usar, para uma estrutura em quatro estações, com o público ao centro. Amanhã retomaremos a partir daí, para finalizar a elaboração e apresentar.

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