quarta-feira, 10 de junho de 2009

O íntimo e o público

Segundo dia de trabalho, após uma "estréia" tão boa, é sempre uma responsa pesada! Antes de começarmos o trabalho, perdemos um tempinho enquanto os meninos faziam os últimos ajustes para o workshop sobre O Velho e o Mar, que eu havia pedido há cerca de um mês e que hoje eles apresentaram, enquanto eu degladiava com o computador - com sucesso! - para instalar a nossa rede wi-fi no Barracão. Habemos internetius!

Quem veio ao Barracão hoje foi o Ronaldo, nosso fiel iluminador, o acadêmico do grupo, que foi uma grande presença no trabalho

Os workshops que eles deviam preparar para apresentar hoje era uma contação do livro do Hemingway, tentando associar detalhamento e síntese, como eu já havia pedido no exercício anterior sobre Urashima Taro.

O Marco foi o primeiro a apresentar seu trabalho. Uma superprodução! Utilizou música (claro!) composta e gravada especialmente para a cena, editou Chan Chan, do Buena Vista Social Club, usou água, sal, piano, boina, bandeira cubana, Coca-Cola, corda, enfim, uma profusão de imagens e metáforas. Em linhas gerais, para o leitor que nada está entendendo, ele pegou o gancho da história se passar em Cuba, e fez uma grande metáfora da história com a relação de Cuba com os EUA (os tubarões, representados pela Coca-Cola), aproveitando seu cabelo comprido, barba e bigode, para assumir a figura (fisicamente) do Che Guevara. E ficou, realmente, muito parecido. Na avaliação do Ronaldo, muito precisa e sensata, ele apontou a maior virtude do Marco como seu maior defeito. As imagens criadas foram belíssimas, o nível de acabamento da cena idem, no entanto a quantidade de referência cruzada também abria tanto as possibilidades da cena que o Hemingway ficava um tanto à margem. Apesar dessa dependência aos recursos visuais, acredito que a cena do Marcão já foi muito mais enxuta, os elementos bem usados, apesar de concordar com o Ronaldo. Aquele ritmo pausado do Urashima também teve ganhos, apesar de ainda haver mais a caminhar.

Em seguida, a Renata trouxe um exercício diametralmente oposto ao do Marco! Munida de um tecido estampado no chão, sobre o qual ficou sentada o tempo inteiro, um chapéu de palha, prendedores de roupa e um barquinho, a Renata mostrou mais uma vez uma incrível poder de contação, muito segura, tranquila, serena. O Márcio, ao final, apontou a necessidade da definição de quem é essa pessoa que conta a história, destacando que, apesar de todas essas qualidades que ja citei, alguns pequenos vícios de contador precisam ser trabalhados, para possibilitar epicizações da cena. Além dessa observação, outra questão apontada foi a tentativa tímida de manipular os objetos que ela levou à cena, que não só não ajudaram, como atrapalharam muito. Por mim, eliminaria tudo. Ela já deu conta da cena sozinha.

A Tililim começou sua cena anunciando: "Vou contar a história de um pescador". Desenhou um barco meio torto no chão, com giz, e com uma impressionante naturalidade nos convidou para sentarmos em volta dele. Trouxe elementos de cena (chapéu de palha e vara de pescar) que, como a Rê, eram completamente dispensáveis, e contou de forma muito segura e limpa a história de Santiago. Apontei que apesar de toda a segurança que ela aparentava (apesar de saber que não era real, já que antes de começar ela confessou que estava muito nervosa), se traía em algumas escapadas do olhar. O Márcio elogiou a forma épica como ela trabalhou, narrando, ao invés de contar. Elemento importantíssimo para aprofundarmos em seguida.

Por fim, o César trouxe uma experimentação muito interessante. No meio do caos que ele apresentava, era claro que estava muito preocupado com avançar em relação ao exercício do Urashima, no qual apontei a necessidade de um cuidado com o olhar - que era vazio então, sem relação - e de elminar o tom sussurado-viciado-lugar-comum-de-contador, em troca de uma narração mais verdadeira, menos teatralizada. E conseguiu! A narrativa era muito atraente, de uma intimidade interessante cenicamente. Há uma deficiência em segurar esse registro o tempo todo, ele perde-se em lapsos, mas sem dúvida houve um grande avanço técnico do trabalho de ator do César.

Após as apresentações, chamei o Arlindo no escritório, e então ficamos 4 a 4: quatro atores para quatro espectadores (eu, Márcio, Ronaldo e Arlindo). Pedi para cada ator escolher uma "platéia de um homem só" e, numa relação espacial de proximidade, contar a história só para seu público, sem o uso dos elementos cênicos que haviam sido utilizados. O César ficou comigo, o Marco com o Ronaldo, a Rê com o Márcio e a Camille com o Arlindo.

Como a atividade exigia uma atenção full time para aquele que estava me contando a história, não pude acompanhar como aconteceu com os outros. Em relação ao César, houve um ganho muito grande no cuidado com a história em si. Todos relataram o mesmo. No entanto, a espontaneidade que ele demonstrou no seu exercício, muito despretensioso, se foi.

Enquanto fazíamos o exercício, a energia elétrica do Barracão (da região toda, depois descobrimos) se foi.

Em seguida, pedi para eles fazerem o procedimento que o Márcio propôs ontem e que achei muito interessante, e vou me fazer valer outras vezes durante o processo: após fazer a atividade, anotar pontos interessantes de destaque do trabalho, seja como ator, seja como platéia. Dei duas chaves para dirigir as anotações: a proximidade e a ausência dos elementos de cena.

Depois, propus experimentarmos o inverso: a distância. Aproveitando as anotações que fizeram da atividade anterior, pedi aos meninos que trabalhassem, agora, com foco na dilatação. Além do que, todos contariam suas histórias ao seu espectador ao mesmo tempo, em extremos opostos da sala, o que exigiria uma atenção enorme por parte de quem contava e quem escutava.

O exercício foi um tanto confuso, mas bem vivo. O Marco, na avaliação, revelou que foi, para ele, a melhor das três suas contações. O César também ganhou muito, apesar da dificuldade em prestar atenção com tantas ações acontecendo ao mesmo tempo. Gostaria de repetir o exercício com um contando de cada vez, para todos os "públicos", mas não deu tempo, e a escuridão começava a tomar o espaço.

Logo depois, a luz voltou.

E começamos uma avaliação, muito em cima das coisas todas que já relatei.

Acho importante destacar que, durante a tarde - teríamos que finalizar cedo hoje, já que tinha reunião do Redemoinho Natal à noite - fiquei um tanto receoso em estar utilizando o precioso horário com a presença do Márcio para fazer atividades "nossas", mas esta avaliação resolveu essa questão. A leitura do Márcio dos exercícios foi de tamanha precisão e riqueza, que tudo se justificou. Aliás, é incrível como o Márcio é de casa, muita cumplicidade de trabalho! Além da questão que já citei sobre a importância de se definir quem é esse narrador que conta (narra) a história, também achei muito precioso quando ele aponta que precisamos sempre pesar o quanto se ganha ou se perde com cada escolha ou abandono de uma solução. Lição importantíssima para esses Clowns, barrocos que são, principalmente nos elementos cômicos!

Dentre as questões de maior destaque, aponto a colocação do César e do Marco para a importância da repetição dos exercícios, e da relação palavra/imagem, quem vem sendo uma discussão no grupo desde que decidimos montar esse espetáculo.

Resumindo a ópera, saí desse Dia 02 muito satisfeito. A qualidade das cenas apresentadas, a maturidade que o grupo mostra, a riqueza das avaliações e conversas, o equilíbrio entre a prática e a discussão, o equilíbrio entre detalhamento e síntese apresentado, o nível de proposição de excelentes estímulos cênicos, são indicadores do nosso crescimento e, mais uma vez repito, do feliz caminho que se aponta para essa montagem.

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