quinta-feira, 11 de junho de 2009

Os Fab Four

10.06.09

Os dias de trabalho têm começado muito tranquilamente com cada coisa acontecendo no seu tempo. Confesso que ainda não sei o quanto se deve à condução e a maneira tranqüila que o Márcio imprime ao trabalho. Ou o quanto se deve à nossa relação com nosso trabalho, cada vez mais certos do que queremos e em que acreditamos. Acho que aposto na mistura dessas duas opções. Quem hoje chegou a agregar nossa equipe foi a Gabriela, estagiária de cenografia e que estará sendo o suporte para a Wanda durante os trabalhos. Sangue novo! Gente nova! Bom demais. Bem-vinda a bordo, Gabriela. Recebemos também uma rápida visita do querido amigo pernambucano Jorge Clésio, conterrâneo do nosso autor André Neves e futuro Ministro da Cultura, ou até quem sabe, Presidente da República. Bom, eu voto nele.

O primeiro desafio do dia foi fazermos coletivamente a criação da cena em que Marinho encontra sua concha e nisso revive suas lembranças de infância através das imagens do mar e dos seus seres construídas por sua imaginação.

Numa noite, porém, enquanto limpava lembranças do passado, Marinho encontrou sua concha. Dentro dela, o mar ainda continuava vivo e intensamente bravo. As ondas invadiram seus ouvidos com uma força avassaladora. Inundaram seus olhos e reviraram pensamentos, barcos, jangadas e navios, guardados há tanto tempo. A agitação despertou todos os monstros marinhos: tritões, ondinas e outras criaturas fantásticas que povoavam aquele oceano. Em sua concha ainda nadavam histórias de marujo, milhões de peixes coloridos, golfinhos, tubarões perigosos. As arraias voavam como tapetes mágicos, balançando as algas em ritmo revolto, e as baleias saltavam tão alto que derrubavam estrelas, que se espalhavam tanto no céu quanto no mar revolto.

O mais difícil de cenas assim é reproduzir teatralmente o que o universo das palavras descrevem tão bem, quando se trata de um universo encantatório e cheio de figuras míticas e fantásticas. Propus que víssemos um vídeo de uma música chamada Elephant Gun, da banda americana Beirut (http://www.youtube.com/watch?v=N-mqhkuOF7s) que acho trazer em sua essência uma celebração com pitadas lúdicas, muito semelhantes a sensação descrita por André no texto acima. Como na canção Lucy in the Sky with Diamonds, já citada aqui em posts anteriores. Usá-la nesse exercício foi quase uma armadilha. A tentativa de materializar as sensações vividas por Marinho naquele instante, dar conta pelos caminhos que optamos, do que essa música sozinha já propõe, nos puxou o tapete. Fomos vencidos pelos Beatles. Tudo bem, vai. Não foi por qualquer um. Afinal, na primeira metade do exercício conseguimos um resultado bem bacana. Usamos trechos cortados de canções que temos trabalhado como exploração de material até agora, como se surgissem da concha de Marinho, cada vez que ele a colocava no ouvido. Aparecíamos atrás do piano em coro, cantando esses trechos. Camille com o chapéu e jaleco que levei, muito maiores do que ela, criou uma imagem muito interessante, fazendo uma referência de Marinho criança. A propósito, esse jaleco é o que eu usava quando fazia Amado, meu clown. Portanto, marujos, tenhamos muito carinho com ele.

O passo seguinte foi fazermos uma improvisação com base no texto Nadando com o cavalo-marinho, também do André e que aparece no final do livro quase como uma nota do autor, que conta um pouco sobre a opção dele de ter escrito essa história, contextualizando o folguedo popular nos dias de hoje. Só que com um detalhe. Nesse exercício, nós seríamos o próprio autor falando como tal, contando essa história. Fernando, Márcio e Gabriela caminhavam pela sala, enquanto nós poderíamos abordá-los para conversar com eles sobre essa história. Foi muito interessante perceber a forma de nos apropriarmos de algo referente ao autor para contarmos algo, assim em primeira pessoa. Andrés encontraram com Andrés, que encontraram outros Andrés, até finalizar a improvisação com uma reunião de Andrés. Renata comentou ter sido bom fazer esse exercício para dar-lhe mais liberdade em brincar com o texto. Sentiu-se a própria dona, criadora do texto. Cuidado André!! Rsrsrs.

Mas o mais surpreendente estava por vir. Márcio pediu que criássemos uma cena a partir desse exercício, tendo como ponto de partida o mesmo texto sobre o Cavalo-Marinho, optando pelos seguintes personagens como contadores:
a) Um cantador de feira;
b) Um cego cantador;
c) Um mudo;
d) Um aleijão;

O cego Cesar começou com sua sanfona embalado pela melodia que ele mesmo criou para o exercício de ontem. Com os olhos fechados por fita crepe em cruz e realmente sem enxergar nada, fez um trabalho muito bom, na forma como articulou o texto na voz daquela figura grotesca e interessante. Para sua surpresa, quando terminou o exercício e finalmente ao tirar as fitas e voltando a enxergar, não encontrou ninguém na sala. Havíamos saído de fininho sem que ele percebesse. Pobre homem. Boas risadas. Renata teve a coragem de assumir o mudo, que também puxava por uma perna. Mas, o melhor foi ter o prazer de conhecer o primeiro mudo fanho da história das aberrações. Boas risadas? Não. Excelentes gargalhadas. Muito bom. Tilila, um aleijão esmilinguido e desconsolado, sentado ao chão com um pandeiro e um tapa-olhos daqueles usados para proteção da claridade enquanto dorme-se, sabe? Mas esse tal tapa-olhos era um truque, meio que para disfarçar uma cegueira da personagem e muito para esconder que a atriz espertamente estava colando o texto que estava cantando. Nem ela conseguiu segurar a onda. Nunca pensei rir tanto como hoje. Dias felizes. Já eu, optei pelo cantador violeiro de feira que puxava pelo violão através de um barbante, de um lado um boizinho, do outro um galante do reisado, figuras de cerâmica pertencentes ao Boi-de-Reis, que comprei durante o processo do Muito Barulho. Dos quatro, acabei trazendo uma proposta de texto mais improvisado. Foi meio complicado, mas queria me colocar nessa fogueira dessa vez. Propor algo menos elaborado e ver como eu dialogaria com isso. Preciso me colocar em situações assim mais vezes. Preciso encontrar o equilíbrio entre a segurança e a despretensão.

Sem pausa para comermos algo, sem a ida de crianççççççça (só pra lembrar, Tilila, Camille, ok?) tendo que sair mais cedo para o inglês, fomos devorados pelo tempo e pela excitação que o trabalho tem nos permitido. Começamos a trabalhar um texto que Márcio escreveu para ser o Prólogo do nosso experimento. Quase um manifesto. Maravilhoso! Exploramos de várias formas. Começamos a desenhar possibilidades para o início, abertura do exercício. Muitas coisas foram surgindo. Brincamos com um case do Casamento como embarcação para entrada da trupe, figuras que exploramos no exercício anterior.

(...) Juntos, viajavam terra adentro numa pequena embarcação de quatro rodas. (...) A carroça entrava na cidade como uma barcaça pesada que desce um rio em direção ao mar. (...)

Temos discutido e refletido bastante a partir da idéia da história ser contada pelo olhar da trupe que ficou, abandonada após a ida de Marinho rumo ao seu sonho de conhecer o mar. Pensamento horizontal e coerente com o nosso ideal de teatro de grupo que fazemos. Logo surgiu uma melodia e uma idéia de sonoridade que remetesse essa embarcação-jeringonça. Sanfona, pratos, zabumba, clarinete, sinos, apito de navio, vapor de embarcação. Tudo para colaborar nessa exploração de paisagem sonora. Dando idéia de amontoado, de carroça de feira, precariedade. Esquecemos do tempo e incorporamos o cansaço. Amanhã, os efeitos da corda que envolvia meu ombro enquanto eu puxava essa “embarcação”, trazendo a bordo os outros três colegas (Renata, Camille e o “pequeno” Cesar), me fará lembrar dos prazeres vividos em mais um dia de trabalho.

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