sexta-feira, 31 de julho de 2009

Eu e o Mar

A cidade ainda dormia quando o despertador tocou às sete da madrugada. Ok. Pelo menos Renata, Rafael (que chegou ontem pra trabalhar conosco e está aqui em casa) e Fernando, isso eu posso garantir. Não tive dificuldades em desgrudar da cama. Isso já é um bom começo. Porque tão cedo? Tinha um encontro marcado. Só eu e o Mar. Resolvi atender o conselho, pra não dizer ordem, da bruxa boa e linda, a querida amiga e mestra Adelvane. A mesma que me apresentou, além do mundo do nariz vermelho, o verde da salada, há quase nove anos atrás. É...o tempo passa. Parece que só não para ela, que está cada vez mais jovem e radiante. Bom, isso tudo porque fiquei devendo a ela (e principalmente a mim mesmo) uma imagem da minha pessoa, essa que vos escreve, alguns quilos a menos. Tem sido difícil. Mas sou brasileiro e não desisto nunca (leia "teimoso").
Rumei até Ponta Negra. O lado bom de ainda ser cedo é que encontra-se mais facilmente um lugar pra estacionar o carro. Parei em frente ao Fellini. Uma parada inspiradora, apesar de uma experiência ruim com o dono desse estabelecimento no passado. Deixemos pra lá. Salve, salve o mestre Fellini!! Ele não tem culpa nisso. Oito horas em ponto quando pisei na areia. E lá estava ele, grandioso, imponente e simplesmente calmo. Desde que começamos esse processo, que eu me lembre, essa foi a primeira vez que visito o Mar, assim tão de perto. Que pecado...Mas, lá estava eu. A praia aos poucos começava a sua rotina mercantilista. Ao longe, bem longe, ouvi um som de pífano tocando Gonzagão e o seu hino nordestino: Asa Branca. Era apenas um desses carrinhos de ambulantes que circulam tranquilamente vendendo seus piratas. Há quem diga que lugar de pirata é na praia...então tá. Nada mais óbvio. Temos discutido dentre tantas coisas nesse momento que afunila-se, fechando ideias, escolhas e caminhos o quanto se espera de um grupo nordestino que tratará de um tema tão recorrentemente nordestinista. Será isso? Asa Branca, com direito a ausência de um bemol na escala, ou melhor, tocado errado, chapéus de couro ou de palha como preferirem, e um sotaquezinho baiano-nordestinês-universal-global-novela-das-oito? O turista que vem pra cá, que estava lá, na praia como eu estava, realmente quer de nós isso, ou nós só damos isso porque eles querem isso? Caminhemos.
É impressionante como a praia é um lugar democrático. Pretos, brancos, amarelos por natureza, ou assim como eu, homens, mulheres, crianças, cachorros, bicicletas, magros, gordos, ou assim como eu (rsrs), todos de alguma maneira expostos ao sol, recebendo a energia desse lugar incrível ou largando ali suas mazelas e pensamentos, assim como eu. E o mar? Ele simplesmente está ali. Ele é. Lembrei-me de Lima, sendo, estando assim. Caminhando no sentido centro e a favor do vento, vi a minha esquerda um bar (ou era uma pousada? já não lembro) chamado Hemingway. Estava bem acompanhado. Entre surfistas, ambulantes e gringos passei por uma criança que oferecia uma porção de areia como "sorvete molhado de chocolate" para sua mãe. Ela, claro que comeu tudo. Pude ver quando passei de volta por ali e nada mais sobrava. O mar com suas ondas tapa os buracos, derruba castelos, lambe a areia e realinha o chão constantemente para novos pés, de cinco ou até mesmo de quatro dedos, assim como eu. Outra coisa que me chamou atenção foi a quantidade de senhoras tatuadas e com piercings no umbigo a prostarem-se ao sol. Lembrei-me de vovó. Minha pura, quase uma folha em branco, vozinha.
Lutando agora contra o vento, fiz o caminho de volta me prolongando um pouco mais, indo em direção aos pés do nosso pelado e "desareiado" cartão-postal, Morro do Careca. Democrática sim e completamente segregada a negra ponta da Ponta Negra. Não sobra uma branca vela das jangadas que descansam sobre a areia. As propagandas tomaram conta de tudo. E de perto, bem perto ouvi ali uma outra música que banha as ondas das rádios da minha cidade Natal. Onde o povo, democraticamente, sem destinção de raça, idade ou zona (norte ou sul), em suas carroças ou Pajeros, unem-se culturalmente fortes cantando a uma só voz: "VOCÊ NÃO VALE NADA MAS EU GOSTO DE VOCÊ..." Taí! Um hino pra Natal! Era hora de voltar. Começava a feira da Babel à beira-mar. Essa praia que eu vi, certamente não foi a mesma que viu Marinho.
Mas eu voltarei. Porque o Mar assiste a tudo tranquilamente.

5 comentários:

  1. Marco adorei te ler nesse texto. Vcs escrevem muito e nem é sempre que se tem tempo de acompanhar, mas esse texto de hoje foi de encantar.
    E olha que o mar encanta.
    Mistérios muitos há.
    Só não tão além que o nosso pensar.
    E quando juntamos esses mistérios todos, muita coisa há para se revelar.
    Parabéns a todos por esse mergulhar.

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  2. Puxa Marquinhos... Esse texto tá show...
    Moro perto da praia e para quase todos os lugares que vou beiro a extensão do mar; e quase nunca paro para aprecia-lo.
    Incrível como é simplesmente belo.
    Lendo esse texto consegui contemplar a magnifica simplicidade que é o mar. Gostosa sensação.

    Bom trabalho pra vocês e que o mar vos revele os seus segredos extraordinários, que só alguns conseguem enteder o prazer que dá a respiração com ele compartilhar.

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  3. Marco, que delícia. Segunda vez que visito o blog pra continuar acompanhando vocês, um pouco menos perto, mas sempre cheia de curiosidade. Adorei seu texto, adorei. Também achei, daqui de onde vejo, que visitar o mar pode ser de grande ajuda pro que vocês estão fazendo, que bom que deu-se a visita, que bom que o processo anda lindamente e que a construção caminha bem. É bom deixar brechinha pro imponderável - feito o mar, tem uns balanços que a gente não prevê, mas que traz muita riqueza. quem sabe uma garrafa de mensagem boa... beijos a todos!

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  4. Tenho lambido as letras derramadas por aqui, num vai-e-vem como o mar faz... E tenho adorado tudo que leio e vejo, e me dá uma ansiedade boa e me dá uma vontade louca de fazer coisas, me por em atividade, como vcs. Isso tudo é de mágica só!
    E sobre o mar, teria algumas palavras pra te dizer, pq tenho a ousadia de dizer q sou sua enamorada, como devem haver outras tantas(os), nem ligo!.. Deixo só um escrito meu em reverência ao gigante q ronca e dorme o sono dos tempos:

    MEL DE SAL
    Semelhança do mar com meu ser,
    Ele, meu momento de mansidão,
    Quando águas verde-azuladas movendo-se crédulas
    Desnudam a areia e a convidam para existir

    Serena maré, vejo-me velejando num banzo
    Marejando meus olhos, vestindo agora os areais
    Com certo pudor de estar em ondas

    Mar meu, imenso mel de sal em mim toda,
    Ele me ensina a navegar com destreza
    E respeito a cada onda que vem e que se vai

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  5. Que bom saber que tem gente que tem nos lido! Preciosas palavras de retorno essas, meninas. Voltem sempre. Precisamos disso. São esses comentários que dialogam e enriquecem nosso trabalho, dia-a-dia, acreditem.
    Abraços salgados.

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