segunda-feira, 13 de julho de 2009

Tempestade

É...parece mesmo que a ressaca que foi anunciada no início de nosso experimento sábado me pegou de jeito. Esse corpinho que Deus me deu resistiu bravamente até aqui. Mas agora, pediu cama. A cabeça é um peso só. Senti a voz indo, devagarzinho a cada vez que tentava falar algo durante nosso bate-papo depois de apresentarmos no Barracantes. É uma espécie de trégua clamada pela carcaça que me sustenta. Tá bom, vai. Não chega a ser uma carcaaaaça. Sei que está bem recheada de tecidus foforium. Mas é que não consigo dosar a minha energia diante de um processo de trabalho. Sou do tipo que tem febres emocionais e algo mais. Não tem como ser diferente depois de uma longa pausa de três anos sem montar. A cabeça é exigida e cobrada de mim o tempo todo. Mesmo quando não quero. Trabalha em sonhos. “Larga d’eu, chulé!” Tsc tsc tsc, pobre homem.

Bom, mas depois de alguns dias sem escrever por aqui, tentarei atualizar minhas idéias em palavras novas, mesmo descrevendo coisas passadas e algumas, até já relatadas. Após insistentes tentativas fracassadas de receber os cajons prontos, com mais de uma semana de atraso, e criando quase uma lenda sobre isso, finalmente eles deram o ar da graça. Senti claramente o constrangimento e as desculpas do músico e luthier que os fez, sugerindo que ficássemos com esses e que ele faria outros mais bem acabados e que até o agradassem mais. Assim, a medida que formos trabalhando, ele vai repondo com novos. Confesso que isso o redimiu em parte pela demora na entrega. Pense numa coisa que me tira do sério é esperar por algo ou alguém. Ô raiva bixiga!! Ufa! Calma, não se estresse... Mas ainda não foi nesse dia que conseguimos brincar com eles. Até os efeitos de mar que o Helder trouxe, não haviam sido manipulados ainda.

No dia seguinte, primeiro que trabalharia a música com o grupo nessa nova etapa pós convidados, sem uma preocupação com resultados, mas sim com o levantamento de idéias e estímulos sonoros, começamos os trabalhos. Há muito tempo tenho pensado num exercício que pudéssemos explorar variações timbrísticas isoladamente para começarmos a brincar com esses instrumentos novos, percebendo suas possibilidades e seus sons característicos. Propus então uma roda delimitada por quatro grupos de timbres diferentes: os cajons, os shakers (chocalho e caxixis), os Bells (sino, metalofone e pin) e os efeitos de mar. Isso dava um total de doze estações. Por isso denominei esse exercício como RELÓGIO. César depois de ter visto o desenho q fiz intercalando o instrumentos nas doze estações, disse que lembrava também uma Rosa dos Ventos. É verdade. Qualquer coisa nesse momento tem sido inspiração pra esse universo que estamos mergulhados. Ó, viram só? “Mergulhados”. Uma hora nos acostumamos, ou cansamos dessa brincadeira. Por enquanto, é experimentar cada vez mais. A regra era que sempre teria alguém no centro com um texto, canção ou movimento, livremente enquanto os outros três que estivessem nas estações estariam tocando os instrumentos por seção timbrística. Por exemplo: César cantando uma canção no centro enquanto eu, Renata e Camille manipulávamos o mar, simultaneamente.

Tenho me inquietado muito com as possibilidades de potencialização musical de instrumentos dialogando com textos, canções e ou movimentos. Esse exercício foi muito legal pra perceber isso na prática. Como se dá a relação do som periférico (os instrumentos tocados nas estações) com o som de quem está em foco (corpo em movimento, voz e texto, voz e canção). Acredito que esse encontro por si só já gera uma música cênica ou uma cena musical, independente do sentido prévio. O objetivo inicial era simplesmente percebermos isso. Mas é óbvio que no decorrer do exercício surgem lampejos de idéias, estímulos, fragmentos de cena em potencial. Aí sim, temos que fazer as relações que nos interessam. É quando chega a hora das escolhas. O que não é o caso. Não é ainda. Ficou muito claro na avaliação que fizemos da importância que tem esse trabalho de livre experimentação com os instrumentos. E a maneira que tem se dado o diálogo da minha direção musical com o que os atores tem proposto. Um exemplo disso foi um momento em que Renata, quando estava com o Metalofone na periferia das estações, sugeriu, enquanto explorava (gosto da palavra “brincar”), ou melhor, enquanto brincava (agora sim) uma melodia simples, mas expressiva. Quando saí do centro e assumi aquele instrumento, retomei aquela melodia e a transformei com um olhar inevitavelmente técnico, o que faz parte dessa minha função musical. Tenho buscado cada vez mais essa relação horizontal e de consciência compartilhada do processo criativo através da música. Temos encontrado juntos esse caminho. Os meninos tem me dado muito retorno sobre o que temos levantado e isso tem revelado possibilidades muito ricas nessa minha pesquisa, que agora, mais do que nunca, tem sido cada vez mais de todos nós.

E assim, veio a seguir um workshop que havia pedido para todos. Criarmos uma melodia em cima da letra proposta por Rafael, a canção SEJA FIRME CAPITÃO, postada aqui por ele na semana em que esteve conosco. Como ponto de partida, indiquei que criássemos uma melodia que tivesse uma estrutura rítmica que quebrasse com a proposta pela letra. Teríamos também a idéia, presente no cavalo-marinho e em outras manifestações populares em que o canto é respondido por um coro após a frase cantada pelo toadeiro (solista). E com essa incumbência de cumprir tal tarefa solicitada por mim mesmo, tem início a minha peleja alucinante nos momentos de criação. Escolhi compor no violão. Essa escolha normalmente se dá quando quero compor algo menos rebuscado, que possa ser executado mais facilmente por qualquer um. É que como tenho limitações mais radicais nesse instrumento, isso aproxima mais do resultado que queria para esse exercício. Aprendi esse recurso quando compunha jingles publicitários, que tem esse caráter de música fácil e pegajosa para vender mais facilmente também. Os compunha quase sempre no violão. O piano, meu instrumento mãe, me coloca com outra postura no instante da composição. Por enquanto tenho preferido o violão e a minha técnica “pata de caranguejo”, usando horrivelmente o polegar e o indicador para tocar as cordas. E vieram as imagens. Quase sempre é assim, a música vem recheada de imagens que praticamente conduzem a composição. E como estou (estamos) muito contaminado, de forma positiva, com todas as influências vividas até aqui, assim surgiu o baião, o compasso 12/8, os cajons, o cavalo-marinho, a dança, a roda, a toada, o desafio presente nas emboladas, o texto do André, as músicas que trabalhamos no início de tudo, o Márcio, o Lima e o recém Helder com seu Espiral de brincadeiras. Na estrofe que diz: “Acredite na barcaça, navegando com bravura, quando a dança descompassa, resistir é aventura”, consegui encontrar uma solução para a idéia dos movimentos das ondas do mar que há muito tempo queria mas não sabia como realizar. Na composição, proponho que cada frase seja dita em cânone pelos atores, onde elas só se encontram no final (...resistir é aventura). A melodia é a mesma para todas as frases, variando apenas a harmonia. Nesse instante me veio a idéia de usar pedaços de ferros com afinações em lá, fá, ré e mi. Notas que dão o movimento harmônico para esse momento no canto, e que poderíamos cantar a melodia, dançando e batendo/tocando esses ferros em momentos precisos. E lá estava eu no dia seguinte com Rafael Teles, nosso produtor, na Compal, uma empresa que trabalha com ferros de todo o tipo. O gentil vendedor que nos atendeu era músico e nos deixou bem à vontade para encontrarmos o que queríamos. Vi que ele achou interessante aquela proposta, de um camarada (eu) com um violão, batendo em ferros de todo jeito. Aos poucos foram surgindo outros funcionários pra entender e ajudar também, meio que timidamente, mas foi muito legal isso. Logo deu o intervalo pro almoço e percebemos que não será tão fácil encontrarmos o que estou querendo. Fiquei de voltar lá. E vou. Na sequência, lá estava eu no Armazém Pará diante de canos PVC, tirando chinela pra bater neles, tirando som como podia. Me senti uma criança descobrindo um mundo novo. Fui para as seções de escovas de limpeza para achar uma que combinasse com um tipo de lixa, encontrando um som interessante. A vendedora que me atendeu disse: “Você é músico? Os artistas são todos malucos, né? Er...tô brincando, viu?” Achei ótimo! Sinto-me careta demais até. É bom experimentar a loucura de vez em quando. Pelo menos essa, assim. Resolvido o que comprar, era hora de experimentar na prática o que estava tão vivo no campo das idéias. Foi difícil segurar só pra mim, sem ligar pra alguém pra dizer do que havia pensado, de como queria fazer. Tenho tentado encontrar o equilíbrio naquilo que deve e que pode ser dito diante da surpresa, ou até da expectativa criada. Tenho guardado mais comigo certas coisas. Engraçado isso num processo tão “arreganhado”, como disse Fernando. Tem hora pra tudo.

Cada um apresentou sua melodia. Muito timidamente e ainda com uma preocupação com o acabamento desnecessária, os resultados já apontam caminhos nessa dinâmica muito bacana. Precisamos repetir isso mais vezes. Na minha proposta musical para essa letra, queria algo que nos colocasse em movimento. Algo que fosse mais do que simplesmente o conforto do tocar ou cantar. Precisamos associar na prática de processo de descobertas o que já venho explorando com mais freqüência nas oficinas. A idéia dos exercícios polifônicos trazidos pelo Ernani e que tem tanta eficiência no resultado de treinamento musical. Fiquei muito feliz com as possibilidades de jogo que esse exercício nos trouxe. Certamente será revisitado outras vezes.

2 comentários:

  1. foi lindo!
    fico sem cometários também...
    só lembranças visuais e sonoras que serão difíceis de esquecer.

    lorena.

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