quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Jogar

Me peguei pensando, com o meu olhar de atriz, um pouco sobre os caminhos de construção de uma peça. A escolha de não ter um texto dramático pronto, mas sim construí-lo no decorrer de um processo é um caminho ainda pouco conhecido para mim. Eu até já tive uma experiência de fazer um espetáculo em que primeiro, nós atores, estudamos uma técnica, a mímica, e usando-a nos improvisos, nós fomos construindo um roteiro; mas acho, e sei que isso é bem diferente do que tem sido feito no processo do Capitão.

 

Digo isso porque, apesar de em alguns momentos do processo os meninos terem trabalhado algumas técnicas específicas de ator, esse não foi um caminho tão traçado por eles, muito porque os atores, o grupo, já carregam uma bagagem de outros espetáculos, de outros momentos, daí isso não ter sido uma prioridade do processo. Assim, percebo que o caminho de aprendizagem do ator não se dá apenas pela via técnica, mas pela apropriação do que se quer dizer em cena, de um pensamento cênico, de como se dá a função do ator na cena e do coletivo.

 

Acho que esse processo não foi um caminho muito fácil para o ator, eu que estou de fora, muitas vezes fiquei doidinha (só para mim), pois me colocava no lugar dos meninos que não tinham, até então, nenhum texto para memorizar, estudar personagem, esse tipo de coisa que ator gosta, e ainda por cima todo dia surgiam coisas novas para eles. Mais do que nunca percebo que esse foi e é um processo de cada dia, o ator tem que se doar pro dia. E vejo que é outra forma de pensar teatro. É fazer pensar, e muito! Nada mastigado pro ator. Para que fazer esse teatro, o que eu quero dizer com esse espetáculo, o que queremos dizer, qual o meu papel enquanto ator dentro desse espetáculo, qual a apropriação que eu tenho do trabalho... e perguntas, e respostas...

 

O trabalho do ator não é apenas na sala de ensaio, sei que isso não é novidade pra ninguém, mas é que isso tem estado muito presente na minha cabeça esses dias, porque apesar de eu ter a consciência disso, sei que na minha prática nem sempre consegui agir assim, e quando eu vejo os meninos trazendo “trabalho” de casa, isso me contagia muito. E eu ainda acho que eles podem se doar mais e devem, porque nesse momento, o “processo” não tem tido muito tempo de dar atenção ao trabalho técnico de ator.

 

Tem algumas coisas que foram trabalhadas nesse processo, que me instigaram muito enquanto atriz. Uma delas é pensar na pulsação corporal de um personagem e de uma cena, na narração distanciada, a utilização da neutralidade em estado de representação numa cena, qual caminho escolher para a construção de um personagem, estar sempre retomando o que foi visto no dia anterior, somar e descartar, jogar, jogar.

 

Lembro de uma palestra sobre o livro Jogar, representar de Jean-Pierre Ryngaert que assisti em Fortaleza, na qual ele falou que não há pré–requisitos para jogar. Ele defende que todos podem jogar, pois não relaciona-se apenas à técnica teatral. Dentre outras coisas, ele falou sobre a capacidade de jogo, e que para isso é importante: estar presente, disponível, aberto a tudo o que possa modificá-lo; escutar, não fingir, estar completamente receptivo ao outro, pois isso de alguma forma comanda a escuta da plateia e também sustenta o outro; não antecipar a ação do outro pelas próprias reações, dar sempre a impressão de descoberta; reação e imaginação; cumplicidade, entendimento entre os jogadores, compreender propostas que enriquecem o jogo e dar uma resposta da mesma natureza. 

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