quarta-feira, 22 de julho de 2009

Latão!!!!


Dia muito especial no Barracão. Mais um dia muito especial no Barracão.

Recebemos a visita da Cia. do Latão, parceiros paulistanos, grande referência para o nosso trabalho, mestres, para fazermos um intercâmbio.

Ontem, após a apresentação do experimento deles no TCP, "Entre o Céu e a Terra", conversei um pouco com o Sérgio, assim como o Marco o fez com o Martin, diretor musical do Latão. Diante das ansiedades dos diretores musicais - em especial do Marco, o que não é nenhuma novidade... Rsrs - e do ponto comum mais do que óbvio entre os dois grupos, que é a música, decidimos partir do trabalho musical, e "ver no que dava".


Após a chegada deles no Barracão, ficamos ainda um tanto sem saber como começar, conversando um pouco aqui, um pouco acolá, até que optamos por começar com um aquecimento vocal mais convencional, conduzido pelo Maurício, e o Marco pegou abatuta a partir daí, pedindo para todos caminharem buscando uma pulsação comum. É impressionante como um exercício tão bobo pode ser tão difícil, quando se trabalha com um monte de gente que nunca trabalhou juntos antes, mesmo sendo, em boa parte, macaco velho no teatro.

Quando todos começaram a se entender melhor na caminhada, o Marco propôs o exercício das palmas que a Caroll trouxe ao grupo, em círculo, em que a palma é passada um a um, e acumulada a cada rodada (desculpem-me os que não conhecem, não vou tentar explicar aqui, porque é meio complicado de descrever com palavras). Ele trouxe variações, como a inserção do silêncio ao invés da palma conjunta, que foi muito legal.

Em seguida, trouxe o exercício que ele criou em que, após o estabelecimento de uma pulsação comum no caminhar - pelo espaço, novamente - todos batem palma juntos no 10, depois no 9, no 8, e assim por diante. Apesar das dificuldades, o grupão "Latão de Shakespeare" começava a tomar cara.


Depois foi a vez dele explorar o exercício, ainda sem nome, que ele tem desenvolvido neste processo, de espalhar os instrumentos pelo espaço e fazer os atores andarem entre eles, depois explorarem os sons, com a boca, de cada instrumento e, por fim, tocarem os instrumentos. Quando os instrumentos começaram a ser tocados, foi um caos! Aquele monte de gente tocando junto, todos famintos por fazer sons, alguns querendo conhecer instrumentos que nunca tinham tocado, todos loucos pra fazer uma jam juntos, foi engraçadíssimo. O Marco conduziu muito bem o controle entre o fazer e o escutar, e em algum tempo aquele monte de gente que acabara de se conhecer tava se entendendo muito bem, fazendo música juntos, muito bonito. Pra finalizar, o Marco puxou a música que o Márcio Marciano nos ensinou, aquela do "sol nascente quando sai, pela rua a passear...", numa ótima sacada que todos, ou quase todos, saberiam cantar. Os meninos do Latão ainda cantaram algumas outras músicas, antes de seguirmos em frente. Cantar é sempre bom...

O Sérgio e o Martin, então, propuseram um exercício que o Latão costuma trabalhar, chamado paisagem sonora. A partir de uma situação/estímulo, que no caso foi "a partida para o mar", os atores improvisam sons e vão criando fragmentos de situações, estímulos cênicos, sempre em relação ao outro. Obviamente, como não poderia deixar de ser em relação ao Latão, e que pra nós foi muito esclarecedor em relação a questionamentos que o processo do Capitão tem nos trazido, a busca por uma relação dialética é uma condição! A partir do que os atores propunham, o Sérgio comentava, o que ia enriquecendo imensamente o exercício. Eu, de fora, babava e aproveitava o que podia para tentar enxergar "pelos olhos do Sérgio"!


Então não resisti à minha atitude de voyeur que tinha determinado em me manter, e propus uma segunda rodada de paisagem sonora, desta vez oferecendo, como estímulo, uma edição de trechos do livro do André que descreviam a trupe. Uma puxada violenta e explícita de brasa para a nossa sardinha, mas confesso que sem culpa nenhuma. Afinal, não é qualquer um, nem todo dia que se tem a Cia. do Latão na sua sede!!!!

O exercício trouxe situações, personagens, imagens, sonoridades e outros elementos muito ricos! Surgiram algumas pérolas, como a menina que queria ir embora com a trupe (mas não indo); o artista velho aconselhando a novata a ter cuidado com os homens dali (mas assediando-a descaradamente); a dançarina do Rodrigo, dúbia só pela imagem proposta; o puxa-saco do prefeito da cidade que, com a recusa do pagamento de um cachê, inverte sua posição; a banguela que queria beijar a bailarina; a dondoca que não parava de repetir: "a arte popular me emociona!", e me fez lembrar de imediato da Dona Clarabela, da Farsa da Boa Preguiça; dentre vários outros.

O Sérgio fez algumas indicações muito interessantes, em especial que o outro é quem te modifica - ou, como diria o Sartre, o inferno são os outros - e a lembrança constante de que "a trupe estava passando", que trazia uma urgência às ações dos atores que geravam vida ao exercício.


Fizemos um intervalo, e logo após sentamos para bater um papo, fazer uma avaliação. Do papo, rapidamente surgiu o assunto do Capitão. Falamos um pouco sobre a obra, sobre como está o processo e, principalmente, por que prisma estamos tentando abordar o texto e o tema. Apesar da riqueza de tudo que fizemos nessa tarde, pra mim esse momento foi o mais precioso. O Sérgio apontou algumas questões muito reveladoras para nós, em especial a questão de como é um pensamento do mundo contemporâneo essa busca por uma trajetória individual, pensamento tão "Paulo Coelho", como ele bem ilustrou, assim como alertou ao risco de sermos moralistas às avessas, defendendo o coletivo cego. Lembrou como o Brecht encara a questão do coletivo de forma dialética, usando O Homem é um Homem como exemplo, em que o Galy Gay vira uma máquina de destruição cega ao ser incorporado pelo coletivo. Presentes...

Para finalizar o trabalho, fizemos um exercício sobre uma cena de Mãe Coragem, "A canção da grande capitulação", uma dinâmica que eles normalmente fazem em oficinas. Após lermos o texto e eles falarem um pouco sobre a obra e aquele momento da peça, nos ensinaram um arranjo de uma música com abertura de vozes em cima da frase "de quem se senta não vem revolta nenhuma", e depois fizemos uma brincadeira com o texto lido, em fragmentos, improvisadamente, enquanto a música era cantada.


Com a hora avançada e a reunião do Redemoinho Natal - que o Ney e o Sérgio participariam - prestes a começar, finalizamos o trabalho, para ajeitarmos as coisas, alguns comerem, etc. Daí a única ressalva à excelente tarde que tivemos: com a correria, e a nossa suposição falsa de que todos ficariam para a reunião do Redemoinho, acabamos não fazendo nem uma rodinha final, um agradecimento, nada...

Portanto, publicamente, deixo aqui nossa mais sincera gratidão aos queridos irmãos do Latão, por toda a semana que tivemos junto, e em especial por esta tarde, que tanto nos aproxima, quando tratamos de compartilhar também nossas práticas, e não apenas o discurso que, por mais importante e fascinante que seja, também é coberto de defesas, estetizações e idealizações que mais distanciam do que aproximam. Voltem logo e sempre!

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