domingo, 19 de abril de 2009

RUMOS MUSICAIS

Estar diante deste branco virtual e impalpável das folhas inaugurais deste diário de bordo é como ver, mesmo de longe o mar e sua imponência mística. É assim que me coloco neste momento inicial que rompe em pensamentos as profundezas de águas ainda turvas. Não posso afirmar que sei nadar. Mas nunca cheguei perto do risco de afogar-me. “Menino, cuidado! O mar não tem cabelo!” Ouvi repetidamente essa frase pronunciada por mamãe. Mesmo sendo essas as águas tranqüilas e quase sem ondas do mar de Maracajaú. Praia do litoral norte aqui do RN onde vivi minhas alegres férias de infância e que até hoje é a minha referência de paraíso. E esse paraíso tem o mar de Maracajaú. Por vezes me peguei de frente pra ele, ora esperando o fisgar de um pobre Bagre que falava comigo através da linha, ora pensando: “Puxa! Desde que o mundo é mundo o mar que vejo já estava aí onde está agora. E isso faz tempo...” Ele em sua magnífica existência entre tantos, sempre inspirou poetas, cantadores e apaixonados amantes. Pablo Neruda que tinha tamanho fascínio pelo mar, mesmo sem saber nadar, o que o colocava longe da idéia de banhar-se em suas águas, possuiu casas em formatos de barcos e com decorações com motivos marítimos. Além de ter deixado escrito verdadeiras odes sobre o mar. Assim o fez Dorival Caymmi com suas canções ou até a poetisa Zila Mamede, que morreu sobre as águas salgadas da Praia do Meio, tantas vezes protagonizadas em suas palavras.

Desde a possibilidade de viabilizar esse projeto, quando ainda eram somente idéias num papel organizadas para o edital do SESI, o imaginário da música desse universo lúdico proposto pelas ilustrações de André Neves me pescou. Fui pego pela rede desse trabalho no instante em que me deparei com O CAPITÃO E A SEREIA. Vi-me ali, contemplado pelo fascínio do personagem Marinho. Era eu menino. Sou eu hoje com o respeito ainda maior pelo reino de Netuno.
Após três anos desde a última montagem do grupo, O CASAMENTO, começamos a nos preparar para mergulhar nesse novo processo. “Vai fazer sol hoje? O mar está pra peixe? Como estão as ondas? E o vento? Não está fundo aí? Ou raso demais?” Perguntas que sempre nos acompanham em nossos trabalhos. Sobretudo quando estamos no começo deles. Assim, como agora! E a música, como será? Preferi começar ouvindo e observando o mar. O início dessa pesquisa vai se dar em workshops que pedi a alguns artistas de diferentes áreas: Música, Literatura, Pintura e Dança. O bailarino, professor e parceiro Sávio de Luna será o primeiro desses artistas a apresentar sua atividade. Pedi que ele traduzisse no corpo e sem a presença da música externa (CD ou tocada por algum instrumento ao vivo) através de uma pequena performance/número o tema “MAR”. Esses exercícios serão repetidos por cada artista de sua respectiva área, para que comentemos e finalizemos com os mesmos workshops dessa vez criados por nós, atores dos Clowns.

Imagino, a exemplo das experiências anteriores no grupo que é preciso encontrar a chave, o fio condutor que vai dar a cara que a música precisa ter. É preciso ouvir não só a voz que o grupo traz hoje em sua atual configuração, em busca da identificação desse novo timbre. Mas principalmente ouvir o que essa voz tem a dizer. É preciso considerar o discurso que nos traduz como artistas hoje. Discurso que acredito ser a isca do nosso trabalho. Para o peixe certo, a isca e o anzol adequados. Cada vez mais acredito que a música como voz autônoma num processo de criação cênica deve dialogar com todos os aspectos quem compõem a polifonia do nosso fazer, considerando aqui as nossas peculiaridades de um grupo de teatro, extrapolando os limites de uma montagem espetacular.

Mas partindo para o campo dos desejos e estímulos que fazem parte das fantasias do imaginário nessa etapa embrionária do processo listo aqui alguns deles que fazem parte do meu universo. Sempre pensei musicalmente o mar em compasso 6/8 (lê-se seis por oito). Essa forma de compasso traz um caráter épico, imponente que me lembra o movimento cíclico e constante do mar. Confesso que nunca havia pensado no porque disso. Como partiu originalmente de uma sensação ou percepção através de uma observação musical e não de uma tentativa de teorização, por enquanto ainda não me pareceu um argumento suficientemente convincente, até mesmo para mim. Tentarei no decorrer da pesquisa explicar melhor em palavras para que essa não seja meramente uma sensação exclusivamente minha, distante de compartilhá-la com qualquer um. Pretendo explorar esse compasso com exercícios rítmicos e com canções que se apresentem nesse formato ou adaptadas para esse fim.

O uso de intervenções musicais como sonoplastia, células melódicas, texturas sonoras pré-gravadas dialogando com a execução ao vivo do canto e dos instrumentos dos atores também se mostram como possibilidade estética para a música do CAPITÃO. Isso ganha força na exploração espacial que Yamamoto propõe como ponto de partida, quebrando a relação frontal com a platéia. Essa idéia potencializa o jogo através do uso desses elementos previamente gravados em estúdio, ampliando o plano real – o que é executado pelos atores – e a fantasia – representado pelo som mecânico disposto pelas caixas de som espalhadas pelo espaço cênico.

Uma das maiores incógnitas desse desafio é a forma como trabalharemos as vozes, o timbre, o canto. Me deparo diante da excitação e do medo que se mostram nessa nova fase. Ao mesmo tempo que sei do salto que demos no processo d’O CASAMENTO com o Ernani, reconheço aqui que teremos que descobrir juntos quais as novas limitações desse grupo de hoje. Um Clowns de Shakespeare renovado, diferente e com um conhecimento construído que vai precisar dialogar com o tempo que passou depois de tantos maremotos.

Por termos uma formação de dois homens e duas mulheres no elenco, quero partir de exercícios que priorizem o contra-canto e a harmonização em duas vozes apenas. Tililim (Camille Carvalho) é uma atriz parceira do grupo e que está chegando para agregar os trabalhos do grupo a partir dessa montagem. Mesmo tendo passado por experiências conosco anteriormente, essa será a primeira vez de forma mais efetiva num processo mais delicado e trabalhado que teremos com ela. É uma nova “cor” que chega para dar o “tom” dessa voz coletiva. Pedi que Renata retomasse as aulas do clarinete, sobretudo explorando a região mais grave do instrumento. Desejo brincar um pouco com essa sonoridade para encontrar um som que lembre ou sugira navios e embarcações. Tenho navegado muito em meus delírios com uma imagem da ilustração do André de um barco meio carro, ou de um carro meio barco. Não sei ao certo. Imagino um teclado a pilhas e com o sistema sem-fio de transmissão de áudio para ganhar maior independência de movimento que esteja acoplado neste carro-barco (ou seria barcarro?). Vislumbro também a possibilidade de nos revezarmos, todos nesse teclado, embora César mantenha seu estudo de acordeom, Camille iniciando sua exploração na flauta transversal, eu com o violão e todos tocando percussões.

Contudo, é só o começo. Velas içadas, âncoras recolhidas. E que venha a pescaria!

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